NOVÍSSIMO CINEMA BRASILEIRO 2018


De 5 a 29 de março, o CINUSP realiza a 7ª edição da mostra Novíssimo Cinema Brasileiro, abrindo o ano letivo da universidade e trazendo ao público destaques da produção brasileira recente. A mostra conta com 7 debates, em sessões gratuitas e abertas ao público em geral.

No último ano, o cinema nacional abordou de forma recorrente debates sobre a identidade como campo político. No atual momento de constante deslocamento de pautas políticas e comportamentais e de descontentamento com relação à condução de demandas sociais,   emergem novos agentes sociais e os acontecimentos políticos são repensados.

Como consequência da crise de representatividade nacional, o ser político foi recolocado, dentro e fora das telas, no centro das discussões. A curadoria identifica uma tendência de filmes nos quais grupos sociais pouco representados ganham relevância como protagonistas da resistência e da luta por visibilidade, por um lugar de fala e por transformações nos atuais padrões de convívio. Esse movimento é feito pelo contato com o outro, sem anular as experiências individuais, condições fundamentais para a formação da identidade.

A crise financeira expõe desigualdades sociais como o desemprego, abordado de forma crítica e irônica em A moça do calendário. A diretora Helena Ignez recoloca em cena o deboche e a transgressão do cinema marginal, alinhando experimentação formal e crítica social. No dia 12 de março, na sessão das 19h, haverá debate com a diretora, protagonista de filmes emblemáticos da Boca do Lixo, incluindo o cultuado O Bandido da Luz Vermelha. A crise também atinge um circo itinerante em Os pobres diabos, comédia poética e crítica sobre os tempos duros enfrentados por aqueles que trabalham com arte popular. Grande parte do filme é focada nos bastidores, nos conflitos interpessoais dos artistas enquanto preparam o espetáculo. A encenação é mostrada depois em filmagem frontal, à maneira do teatro filmado nos primórdios do cinema, cuja gênese se confunde com a arte circense.

A falta de moradia nas metrópoles aparece em Era o Hotel Cambridge, que apresenta a realidade de ocupações em São Paulo sob constante ameaça de reintegração de posse. O filme faz um retrato genuíno do dia a dia intenso das ocupações e suas atividades culturais, colocando em discussão o direito à moradia. No dia 20, às 19h, haverá exibição do filme seguido de debate com a diretora de arte Carla Caffé e com Carmen Silva, protagonista no filme e líder da Frente de Luta por Moradia. A reivindicação de condições dignas de vida  que o Estado deveria prover aparece também em Escolas em luta, focado nas ocupações de escolas secundaristas. No dia 8 de março, haverá debate com os diretores e estudantes secundaristas após o filme, que será exibido às 19h. O momento de polarização política se expressa em discursos inflamados, como mostrado em Intervenção - Amor não quer dizer grande coisa, um compilado de vídeos postados nas redes sociais entre 2015 e 2016 por homens que clamam pelo armamento da população e por intervenção militar no Brasil. A sessão do dia 14, às 19h, será acompanhada de debate com os diretores Rubens Rewald, Tales Ab’Sáber e Gustavo Aranda. A atuação política está presente também em Cine São Paulo, uma reivindicação sensível do acesso à cultura, em movimento pela revitalização dos cinemas de rua.

Num presente em convulsão, emergem reconstituições de períodos turbulentos da história brasileira. No documentário Aurora 1964, a ditadura militar é abordada a partir de Pernambuco, como metonímia para os acontecimentos que se espalharam pelo Brasil. O filme apresenta diversos relatos num crescendo: desde as primeiras impressões logo após o golpe militar a atos brutais cometidos contra presos políticos. Já Amores de chumbo é um drama ficcional no qual as vidas das personagens são marcadas pelo passado ditatorial, mesclando o político e o pessoal de forma envolvente. A conjuntura internacional da década de 1960 é observada no ensaístico No intenso agora, que se configura a partir do olhar da  elite econômica e intelectual. Recuando um pouco mais no passado político brasileiro, com foco nos conflitos deflagrados por identidades oprimidas, Joaquim expõe como a condição social de Tiradentes o colocou  na posição de bode expiatório de um movimento social arquitetado por membros das elites brasileira e portuguesa. A direção de cena realista e a arte fiel à época proporcionam forte imersão no período das minerações. A escravidão ainda reverbera no presente brasileiro e é tema de Vazante, filme que causou polêmica, inserindo-se num momento político favorável à discussão do combate ao racismo.

A identidade LGBT é tema central em Corpo elétrico, que aborda trocas de afetos possíveis entre homens gays da classe trabalhadora. A câmera alterna entre momentos de proximidade, em tom documental, e planos gerais que tratam da inserção dos corpos no ambiente urbano. Misturando ficção e documentário, Música para quando as luzes se apagam acompanha uma jovem na investigação de sua identidade de gênero em meio às mudanças da fase adolescente. O documentário Meu corpo é político segue de perto o cotidiano de pessoas trans da periferia de São Paulo, com um olhar de cumplicidade para suas lutas, prazeres, expressões artísticas e ocupações rotineiras. Ações pequenas do cotidiano são observadas de forma silenciosa, em planos-sequência; o diferencial está nos corpos que executam essas ações, em geral sub-representados. Divinas Divas, dirigido pela atriz Leandra Leal, mostra artistas travestis, transformistas e drag queens que atuaram de forma corajosa no passado. Oscilando entre o riso e a comoção, as artistas são mostradas no palco e também na esfera particular, narrando suas experiências.

Em Inaudito, a memória se alia à performance e ambas contaminam a forma do documentário, uma reflexão pessoal do instrumentista e compositor  Lanny Gordin, parceiro de Rita Lee, Gilberto Gil, Gal Costa, entre outros nomes da música brasileira. No dia 23 de março, na sessão das 19h, haverá debate e performance com a participação do diretor Gregorio Gananian, além de Dino Vicente, Danielly O.M.M., Walter Vector e Diego Arvate. Documentário sensorial sobre diversidade religiosa, Híbridos, os espíritos do Brasil é um projeto transmídia que não possui narração ou diálogos, apenas os sons que emanam dos rituais religiosos, envolvendo o espectador numa experiência mística. Os diretores do filme, Vincent Moon e Priscilla Telmon, estarão no CINUSP dia 5 de março para debate na sessão das 19h.

A mostra conta ainda com dramas sensíveis sobre identidade feminina, como As duas Irenes, centrado na relação e no amadurecimento de duas irmãs adolescentes que, desconhecidas uma da outra em um primeiro momento, descobrem que também possuem o mesmo nome. Juntas, elas lidam com o conflito familiar e transição para a vida adulta. Pendular flerta com a arte da performance ao mesmo tempo em que expõe o machismo diluído na convivência diária. Carregado de metalinguagem, Vermelho russo borra as fronteiras entre as personagens de uma peça de teatro e as personalidades das atrizes que as interpretam, ao mesmo tempo em que é produzido um filme sobre essa experiência. No documentário Precisamos falar do assédio, a atenção é voltada para a violência de gênero em relatos de mulheres que escolhem compartilhar os abusos que sofreram.

Para contribuir com a pluralidade de identidades em pauta nos conflitos sociais, culturais e políticos, os filmes selecionados focam suas lentes em personagens que protagonizam lutas em campos nem sempre refletidos nas telas. Assim, o CINUSP convida o público para conhecer essas histórias, participar dos debates e refletir sobre as questões propostas pelo cinema brasileiro recente.

 

Boas sessões!

 

Henrique Casimiro

Joyce Rossi

Maria Carolina Gonçalves

Renato Trevizano dos Santos



Debate com Helena Ignez

No dia 12, haverá debate com a diretora Helena Ignez, estrela do Cinema Marginal, após a exibição de A moça do calendário, filme que revela seu olhar sobre a vivência nos centros urbanos em tempos de crise. Helena Ignez é atriz e diretora. Protagonista de filmes emblemáticos do cinema brasileiro, incluindo O padre e a moçaO bandido da luz vermelha e A mulher de todos, atualmente dirige longas-metragens e se dedica à restauração e difusão da obra de Rogério Sganzerla.