MULHERES DE VANGUARDA


O CINUSP apresenta de 16 a 31 de julho a mostra Mulheres de vanguarda, com filmes de 12 cineastas que transformaram e continuam transformando a produção cinematográfica nos Estados Unidos dos anos 1940 até os dias de hoje, ao questionarem as exigências comerciais de Hollywood de modo a contrapô-las a uma liberdade artística inimaginável para os padrões das grandes produções. São diretoras que discutem o papel da mulher na sociedade e o próprio fazer cinematográfico, abrindo espaço para a discussão de gênero e da misoginia, para a multiplicidade de temas e para diversas experimentações formais no nível da imagem, do som, do roteiro, da atuação e da montagem. No primeiro dia de mostra, haverá debate com a pesquisadora Patrícia Mourão, doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela USP e especialista no cinema realizado pela vanguarda norte-americana, na sessão das 19h.

Nos anos 1940, a primeira geração de cineastas independentes nos Estados Unidos precisou enfrentar as barreiras da indústria cinematográfica já fortemente estabelecida. Apesar das dificuldades para se conseguir financiamento e do complexo aprendizado exigido, alguns deles não desistiram e continuaram fazendo filmes, inserindo-se em um meio efervescente que envolvia também a fotografia, as artes plásticas, a poesia e a dança.

Cineastas como Maya Deren e Marie Menken foram pioneiras no cinema experimental e influenciaram toda uma geração posterior. Meshes of the Afternoon, de Maya Deren, é considerado um marco da vanguarda nos Estados Unidos desde sua aparição em 1943. Com uma produção marcada por imagens com forte carga onírica e arquetípica, colocando em jogo narrativas habitadas por personagens misteriosas e fugidias, Deren criou um diálogo entre cinema, dança e psicanálise, sendo ao mesmo tempo diretora, atriz e roteirista. Trilhou sua carreira junto a artistas vanguardistas como Marcel Duchamp e suas ideias influenciaram a obra de diretores como David Lynch. Já a cineasta e artista plástica Marie Menken criou poemas visuais rítmicos em seus curtas-metragens experimentais com sua câmera 16mm, influenciando enormemente figuras-chave da vanguarda americana, como Stan Brakhage. Os filmes das duas diretoras serão exibidos em três programas especiais de curtas e a mostra contará ainda com dois documentários de Martina Kudláček sobre suas produções.

A ganense-americana Akosua Adoma Owusu insere em seus filmes o que define como “tripla consciência”, tratando de questões do feminismo, do queer e dos imigrantes africanos, permeando as culturas de Gana e dos Estados Unidos. Seus filmes questionam noções de beleza impostas pelos padrões ocidentais, experimentando com representações de grupos oprimidos. A diretora estará presente no dia 30 para debate após a exibição de seus filmes.

A atitude política de Su Friedrich e de Barbara Hammer se evidencia nos longas-metragens documentais que buscam representar mulheres do passado e do presente que reivindicam seus direitos. Ambas captaram com sensibilidade depoimentos de mulheres lésbicas que lutam por reconhecimento. Se, por um lado, essas duas diretoras abordam temas semelhantes, suas experimentações seguem linhas distintas. Enquanto Hammer propõe uma estética lésbica que conecta a visão ao toque, Friedrich discute a condição feminina por meio de imagens e textos.

O papel da mulher na sociedade e sua representação no cinema são preocupações centrais nos filmes de Bette Gordon, que traz histórias de mulheres que buscam encontrar seu espaço, ao mesmo tempo em que propõe experimentações, desconstruindo a relação entre texto e imagem. Por outro lado, as implicações de gênero e de identidade sexual no mundo contemporâneo são abordadas por Sadie Benning, transgredindo as convenções de atuação e utilizando-se de máscaras e interpretações antirrealistas. Já os filmes de Marjorie Keller são estruturados na justaposição de ideias divergentes e abordam os temas da maternidade, da instituição do casamento e das relações de jovens mulheres na sociedade.

Sharon Lockhart, por sua vez, apresenta uma proposição formal radical ao representar a disciplina de estudantes japonesas em um ginásio por um único enquadramento. Essa proposta influenciou a estética que seria adotada mais tarde por diretores como James Benning. Já nos filmes de Carolee Schneemann, são o erotismo e as sensações que permeiam a experimentação visual, expondo sua própria relação conjugal.

A mostra conta também com uma adaptação para o cinema da tragédia Antígona, de Sófocles, dirigida por Amy Greenfield. O filme apresenta uma visão feminista ao deslocar o foco para as filhas de Édipo e substitui as falas originais pela linguagem corporal da dança.

Com propostas tão diversas e pertencentes a diferentes gerações, essas diretoras representam grande parte da produção de vanguarda nos Estados Unidos. No entanto, suas obras permanecem pouco conhecidas e até mesmo ignoradas em meio a uma história do cinema escrita predominantemente por homens. Assim, a mostra Mulheres de vanguarda destaca o papel e o pioneirismo dessas cineastas ao recuperar a intensidade de suas criações.

 

Ivan Amaral
Maria Carolina Gonçalves
Thomás Ceschin