MESTRES DO CINEMA DE TAIWAN


A mostra Mestres do Cinema de Taiwan traz ao público a obra de sete cineastas que marcaram a história da cinematografia taiwanesa do início dos anos 1980 até hoje. Como assinala seu título, foi concebida a partir de duas noções que a princípio parecem anacrônicas em nossa era de hibridismos e multiplicidades: a de autoria e a de nacionalidade. No entanto, o que transparece ao espectador atento para as particularidades dessa cinematografia e sua história aponta para outra direção, e talvez esteja aí a chave para o mistério do cinema de Taiwan, cuja extensão territorial diminuta contrasta com a riqueza de sua cinematografia.

A importância do cinema de Taiwan no cenário mundial é sentida para valer a partir dos anos 1980, período em que o chamado cinema novo taiwanês (Taiwan xindianying) emerge com força no circuito de festivais europeus de prestígio, inicialmente em Veneza e posteriormente em Cannes e Berlim. É nessa década que nomes como Hou Hsiao-hsien e Edward Yang chamam a atenção do público cinéfilo, e não demorará para que eles passem a integrar o panteão dos cineastas premiados e venerados na Ásia e no mundo.  De um modo geral, pode-se dizer que o cinema novo taiwanês é calcado em um realismo de cunho observacional, abrindo espaço na cinematografia da ilha para um tipo de cinema que privilegia o uso de locações reais, atores não-profissionais, um estilo minimalista e uma narrativa aberta. Ao mesmo tempo, seus diretores lançam mão com frequência de recursos como o plano-sequência e a profundidade de campo, bem como a reflexividade e a montagem descontínua, típicos do cinema moderno dos anos 1960.

É importante também notar que o cinema desses diretores participa nos anos 1980 do período de abertura democrática de Taiwan, coincidindo ainda com a gradual aproximação da maioria dos países no mundo ao governo de Pequim em detrimento ao de Taipei. O país vai então deixando para trás sua fase repressiva e ao mesmo tempo se deparando com uma crise de identidade, que por sua vez abre espaço para a autorreflexão e para a reavaliação dos traumas de seu passado recente, bem como para as noções variadas de nacionalidade e o sentido de ser taiwanês.  

Já a partir dos anos 1990, cineastas como Tsai Ming-liang, Chang Tso-chi e Sylvia Chang seguem a tradição de inovação estética e temática inaugurada nos anos 1980 pelo cinema novo taiwanês e constroem carreiras singulares que mantêm viva a centralidade da cinematografia taiwanesa na Ásia e no mundo, seus ecos sentidos na obra de outros cineastas centrais hoje como Apichatpong Weerasethakul e Jia Zhangke. Ao mesmo tempo, será também nos anos 1990 que Ang Lee despontará como um dos diretores mais versáteis no universo do cinema de apelo comercial, levando o nome de Taiwan para Hollywood e para o mundo, e consagrando-se com nada menos que dois prêmios Oscar de melhor realizador, entre vários outros.

Esses “mestres do cinema de Taiwan” são contemplados nessa iniciativa do Cinusp de apresentar filmes raros e inéditos que procuram dar conta da diversidade e centralidade dessa cinematografia ainda pouco debatida no Brasil. Serão onze filmes dos consagrados Hou Hsiao-hsien, Edward Yang, Tsai Ming-liang e Ang Lee, e seis filmes que introduzem as obras de Wang Toon, Chang Tso-chi e Sylvia Chang, cineastas menos conhecidos do público estrangeiro, mas nem por isso menos relevantes.

Se o projeto curatorial partiu então de dois pilares já abalados dentro da teoria do cinema, a autoria e nacionalidade, deve-se ter em mente que a obra dos mestres do cinema de Taiwan se alimenta e deriva sua força justamente do diálogo com a fragmentação e a fluidez próprias a qualquer identidade nacional, e ao mesmo tempo exacerbadas pelas peculiaridades sócio-políticas e culturais do país. É a coragem e a disposição pelo novo que levaram esses cineastas a abraçar e incorporar essa incerteza e instabilidade à forma fílmica, fazendo da pequena ilha de Taiwan, nomeada de ilha Formosa pelos navegadores portugueses no século XVI, um mistério de ordem cinematográfica, aberto a um desvendar constante ao qual convidamos o público a participar. Boas sessões!

 

Cecília Mello

Henrique Casimiro

Maria Carolina Gonçalves

Rodolfo Ferronatto de Souz