ACREDITE SE QUISER!


Quem está falando a verdade? O cenário político agitado, tanto nacional quanto internacional, está atualmente marcado por essa insegurança. Notícias compartilhadas nas redes sociais, de tom alarmista e nem sempre verídicas, se contrapõem aos discursos veiculados na mídia tradicional. O fenômeno das chamadas fake news se revelou uma peça chave no debate político contemporâneo e está no centro de várias discussões. No entanto, muito antes da existência da internet, notícias falsas e informações distorcidas já eram divulgadas de acordo com os interesses de grupos com poder e influência que visam ditar a opinião pública. Todo tipo de estratégia é empregado, desde a criação de boatos até o descrédito de fatos concretos.

 

A partir dessas reflexões, o CINUSP realiza de 17 de setembro a 19 de outubro a mostra Acredite se quiser!, com 20 filmes que abordam a manipulação da informação na mídia e os poderes por trás disso.

 

A mostra conta com um debate com a jornalista Patrícia Figueiredo e com Ivan Paganotti, doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. O debate será realizado no dia 1º de outubro, na sessão das 19h, após exibição do filme Conspiração e poder, em que as fontes de dois jornalistas para um furo polêmico são duramente questionadas.

 

Campanhas eleitorais são períodos propícios para a divulgação maciça de dados que favorecem os presidenciáveis ou, pelo contrário, prejudicam sua imagem. Com frequência, os meses que antecedem as eleições são marcados por candidatos e mídia disputando pela atenção e a verdade: alguns fatos são encobertos e outros são desvelados. O documentário Muito além do Cidadão Kane oferece exemplos de construção da imagem de políticos brasileiros e interferência direta em eleições, assim como Arquitetos do poder, cuja exibição no dia 19 de setembro será acompanhada de um debate com Renato Levi Pahim, professor de documentário do departamento de jornalismo da ECA-USP. No, por outro lado, mostra como a forma de apresentação de certos fatos pode moldar sua recepção pelo público, através da história da campanha televisiva de resistência anti-Pinochet durante o plebiscito de 1988 no Chile.

 

Outros filmes da lista focam suas lentes sobre a instabilidade da verdade no jogo político, como O processo, que acompanha o impeachment de Dilma Rousseff, e O bravo guerreiro, filme da fase urbana do Cinema Novo que será exibido junto do antológico curta de Andrea Tonacci, Blablablá.

 

O conflito na tentativa de divulgar ou encobrir informações envolve também interesses corporativos. As tentativas das empresas de abafar polêmicas e manipular a opinião pública são foco de Fahrenheit 11 de setembro, que investiga conexões entre a Guerra do Iraque e indústrias de armas e petróleo, assim como de O informante, centrado na indústria do tabaco e suas tentativas de dissociar a imagem de seu produto dos riscos à saúde que ele traz.

 

Nos filmes da mostra, a mídia desempenha papel ambíguo. Em alguns casos, existe um genuíno esforço de apuração dos fatos, embora sua publicação seja barrada ou dificultada por poderosos grupos políticos ou empresariais. Ameaças são uma forma comum de tentar silenciar vozes inconvenientes, como ocorre com os jornalistas de Todos os homens do presidente, que investigam o escândalo de Watergate, e os de The Post – Guerra Secreta, que investigam os Papéis do Pentágono. Após a exibição do filme no dia 17 de outubro, a empresa júnior de jornalismo da ECA-USP irá realizar para o público uma oficina de identificação de fake news.

 

Em Z, filme baseado em caso real ocorrido na Grécia, um deputado é morto em uma conspiração que envolve civis, militares, policiais e políticos de alto escalão. Apesar de esforços dos jornalistas, a manipulação continua no encobrimento da morte. São crimes políticos que ocorrem ainda hoje, como o caso de Marielle Franco, cujo assassinato brutal ainda não foi solucionado.

 

Em determinados contextos, entretanto, os próprios jornalistas desempenham o papel incisivo de manipular dados ou produzir reportagens exageradas ou sensacionalistas. Por vezes são tentativas de interferir no cenário político, mas é frequente que o objetivo seja apenas atrair a atenção do público. A corrupção do discurso é tema central de Rede de intrigas, que trata da busca incessante de uma emissora televisiva por mais audiência e maior lucro, mesmo que isso resulte na total desvirtuação de seus valores. Numa escala individual, A montanha dos sete abutres acompanha um repórter inescrupuloso que interfere no fato jornalístico de modo a aumentar sua projeção, com resultados desastrosos; Cidadão Kane mostra a evolução do icônico personagem de Orson Welles, de jornalista jovem e esperançoso a magnata desiludido do jornalismo e da política, calcado na figura de um importante e inescrupuloso magnata da imprensa norte-americana. A representação da manipulação de informação no dia a dia atinge um nível exorbitante e alegórico em O show de Truman, clássico de Peter Weir sobre um homem que descobre que sua vida inteira faz parte de um programa de televisão.

 

Contudo, a mídia pode participar da disseminação de notícias falsas não porque produz inverdades, mas por falta de apuração. Esse é o foco de O abraço corporativo, documentário brasileiro que acompanha a propagação de uma notícia falsa enviada a jornalistas. O que também ocorre em Mera coincidência, comédia em que um presidente que deseja se reeleger anuncia uma guerra inventada para desviar a atenção de um escândalo em que se envolveu.

 

A mostra também conta com documentários que abordam a construção da verdade em contextos explicitamente políticos: uma tentativa de golpe de estado na Venezuela e as distorções na sua representação são o foco de A revolução não será televisionada, enquanto Sob o sol exibe a produção de um filme de propaganda governamental norte-coreano, expondo a ideologia por trás de cada plano. Our new president, filme inédito no Brasil, compila uma quantidade massiva de notícias falsas veiculadas na Rússia sobre Donald Trump antes de sua eleição.

 

Em tempos nos quais as informações circulam a uma velocidade inédita e independentemente dos veículos tradicionais de notícias, como encontrar a verdade? Em quem é possível acreditar? Venha apurar com os filmes da mostra Acredite se quiser!

 

Boas sessões!

 

Henrique Mandruzato

Lucas Silva

Maria Carolina Gonçalve