1968: COMO ESTÁ NÃO VAI FICAR


O CINUSP apresenta 1968: como está não vai ficar, exibindo diferentes perspectivas dos eventos que marcaram um dos anos mais turbulentos do século XX. A mostra reúne 23 filmes sobre o período, desde obras mais panorâmicas e análises posteriores que buscam refletir sobre os eventos, bem como sobre os sucessos e fracassos de quem foi à luta, até filmes feitos no calor do momento, clamando por mudança e renovação não só nas sociedades que representam, mas também nas formas de se fazer cinema.

Os movimentos de 1968, tanto políticos quanto cinematográficos, eram marcados por ideias anti-imperialistas e progressistas, agindo direta e radicalmente na luta pelos direitos dos trabalhadores, das minorias e da democracia, e respiravam uma atmosfera internacional, em grande parte interconectada, de contestações políticas, sociais e culturais. Influenciados, em grande parte, por teorias políticas como o maoísmo e o trotskismo, além de revoluções ocorridas na África, na Ásia e em Cuba, eles foram estimulados, em particular, pela Guerra do Vietnã, motivação central de muitos protestos e de diversos filmes do período, como o francês Longe do Vietnã e o britânico Tell me lies.

Na França, o movimento de Maio de 68 eclodiu em oposição ao regime conservador e opressor do General de Gaulle. Iniciado pelo movimento estudantil, o clima de insatisfação no país foi marcado por lemas como “Sejamos realistas, peçamos o impossível!” ou “Desfrutar sem obstáculos!”, que indicavam a espontaneidade e a radicalidade desses ideais, como evidenciado em Morrer aos trinta anos.

Outro lema importante, “Operários e estudantes: unidos venceremos!” marcaria a união entre estudantes e operários, crucial para a intensificação dos protestos. O movimento operário, representado por filmes como os do Grupo Dziga Vertov (Tudo vai bem) e do Grupo Medvedkine (Sochaux, 11 de junho de 1968, Classe de luta, Os operários também), realizou ocupações, greves e até sequestros. Assim, o movimento que começou com ocupações em escolas, universidades e protestos contra a Guerra do Vietnã levaria a marchas e barricadas, além de centenas de milhares de estudantes mobilizados e uma greve geral de milhões que duraria semanas. O impacto foi tão grande que os movimentos chegaram a assumir funções sociais como se formassem um governo alternativo, o chamado “duplo poder”.

Essa relação também se manifestou no Brasil, onde os movimentos estudantil e operário contaram com grandes mobilizações contra os abusos da ditadura militar. A batalha da Maria Antônia e 1968: greve de Contagem tratam de duas das mais importantes. Assim, o ano foi marcado por eventos como as greves de Contagem e Osasco, os protestos em resposta à morte do estudante Edson Luís de Lima Souto e a Passeata dos Cem Mil. O ano encerraria com o decreto do AI-5, o mais duro dos atos institucionais impostos pela ditadura.

Todos esses movimentos, apesar de expressivos e inovadores, não obtiveram o êxito desejado, sendo duramente reprimidos e dissipados, ou gradualmente abandonados com o passar do tempo. Filmes como 68, O fundo do ar é vermelho e No intenso agora apresentam o furor desse momento enquanto buscam entender as causas dos fracassos desses movimentos. No dia 8 de novembro, haverá um debate após a exibição de 68 com o professor e pesquisador Celso Favaretto.

Houve protestos anti-totalitários também na América Latina e em outras partes do chamado “Terceiro Mundo”: no México, durante a Guerra Suja entre o governo conservador monopartidário e a resistência estudantil, protestos como o de Tlatelolco (representado em Amanhecer vermelho) acabaram em massacre de centenas de manifestantes pelas forças policiais. Agindo contra influências externas, diretores como Glauber Rocha (O leão de sete cabeças) e Fernando Solanas (A hora dos fornos) defendiam a Revolução Tricontinental da América Latina, África e Ásia, tendo como força mobilizadora um “Terceiro Cinema”, em oposição ao cinema de arte europeu e ao cinema narrativo hollywoodiano.

No entanto, os países do “primeiro” e do “segundo” cinemas passavam igualmente por momentos de mobilização e mudança. Nos Estados Unidos, ocorreram protestos tanto contra a participação do país na Guerra do Vietnã quanto em favor dos direitos civis, alguns deles representados, de maneiras distintas, em: Dias de fogo, Zabriskie Point, Now, Os Panteras Negras e Parque da Punição. Frente a esses duros tempos, a chamada Nova Hollywood se tornou muito mais subversiva (e pessimista) do que qualquer outro movimento precedente (ou posterior) no cinema americano.

Do outro lado do Atlântico, na então Tchecoslováquia, a Primavera de Praga (palco do clássico A insustentável leveza do ser) estimulou uma abertura democrática em seu regime socialista, mas em agosto a intervenção soviética, apesar da considerável resistência tcheca, conteria as propostas do líder reformista Dubček, e a censura imposta à política e às artes desafiaria diretores do subversivo Novo Cinema Tcheco, como Jan Němec (Oratório de Praga) e Karel Kachyňa (Orelha). Já na Itália, país com tradição de um cinema político e forte presença do partido comunista, o “Outono Quente” de 1968 foi marcado por lutas operárias, como a de A classe operária vai ao paraíso, ocupações de casas, universidades e protestos estudantis, como em Discutamos, discutamos.

Se muitos dos filmes desta mostra apresentam certo pessimismo quanto aos eventos abordados, eles também revelam um pouco do furor, da efervescência desse momento único e complexo que constitui, em suas diversas facetas, o ano de 1968. O ano das "revoluções falidas", dos "utópicos e rebeldes" ainda serve de referência única para os anos presentes e futuros, como exemplificado na frase do filósofo Jean-Paul Sartre, que participou dos eventos na França: “O importante é que a ação tenha acontecido quando todo o mundo acreditava ser impensável. Se aconteceu agora, pode voltar a produzir-se...”.

Boas sessões!