O que acontece com o cidadão quando ele não é mais parte ativa da força de trabalho e quando o mundo parece já não tem mais espaço para ele? Essa questão enfrentada no Brasil atual, onde a conjuntura aponta complicações para a existência digna após a aposentadoria, é o tema explorado na DIVINA PREVIDÊNCIA, mostra que acontece entre 22 de julho e 11 de agosto no CINUSP Paulo Emílio e no Centro Universitário Maria Antônia.

De quem é o dever de cuidar desse indivíduo quando, ao chegar na terceira idade, ele precisa se readequar com novas questões de saúde, solidão e sexualidade e reaprender a viver no mundo que não é mais o mesmo no qual sempre viveu? São suas próprias ações que devem traçar sua aposentadoria, o governo que deve oferecer auxílio ou a família que deve assegurar seu bem-estar? 

Questões materiais da sobrevivência na aposentadoria são urgentes, um lugar para viver e dinheiro para pagar as contas são o mínimo para sua estabilidade após uma vida de trabalho. Norteado por isso, os filmes da mostra focam nos perrengues de idosos tentando manter sua sobrevivência material quando ela é colocada em cheque.

No filme silencioso alemão A última gargalhada, o fim da estabilidade financeira e social são mostrados pela perda de emprego de um velho porteiro. Sua exclusão social vem por se tornar faxineiro e perder seu símbolo de prestígio dentro da comunidade, mostrado na cena mais tocante do filme quando retiram seu uniforme como se estivessem arrancando sua pele. A adaptação de Shohei Imamura do livro A balada de Narayama traz uma nova estética para a história de autossacrifício de uma matriarca que, sabendo que sua morte está para chegar pois é velha demais e eles não têm comida para todos, se preocupa em deixar seu legado para aqueles que ficam para trás.

Diretamente alinhado com os temas políticos na questão da Previdência Social, Umberto D., do diretor neorrealista italiano Vittorio de Sica, explora como a modernização e inflação do aluguel na Itália dos anos 50 colocam esse idoso na posição de morador de rua, mesmo tendo sido um respeitável funcionário público por anos. A mesma dificuldade é enfrentada na Inglaterra de 2017 em Eu, Daniel Blake, do diretor Ken Loach, já conhecido por tratar de desigualdades sociais em seus filmes. Mesmo com a indicação médica de que não pode mais trabalhar, o protagonista enfrenta muitas dificuldades com a burocracia inglesa para conseguir provar sua situação. Por conta de sua idade, ele também precisa lidar com a atualização do mundo cada vez mais digital e sua inaptidão para entender essas mudanças.

No filme da Nova Onda Romena A morte do senhor Lazarescu, a trajetória do personagem é construída para retratar alguém que não é positivo no meio de uma Romênia moldada pela introdução tardia no capitalismo, mas que também não merece a desumanização e maus tratos que recebe apenas por ser um velho rabugento. O fim e o princípio, documentário de Eduardo Coutinho que surgiu da despretensiosa vontade de gravar algo, vai na via oposta ao focar nas histórias de vida dos velhos habitantes de uma isolada vila no sertão paraibano e dar destaque a eles.

Entre outros filmes da mostra temos o cult Grey Gardens, documentário dos anos 70 que chocou por expor a realidade de decadentes senhoras de alta classe da família Kennedy; as medidas extremas tomadas pelo trio de idosos em Despedida em grande estilo; Feios, sujos e malvados, comédia deturpada do diretor italiano Ettore Scola; o retrato da queda da família de classe média após a Grande Depressão de 1929 em A cruz dos anos; o recente e premiado Nebraska sobre um homem teimoso que acha que ficou rico; e o divertido A senhora da van, estrelado por Maggie Smith.

As mazelas naquela que deveria ser a “melhor” idade expostas nesses filmes nos levam a refletir sobre a forma que moldamos essa sociedade que em tese teria lugar para todo mundo. O CINUSP convida a todos para pensar e construir o espaço de uma vida digna e tranquila após uma possível aposentadoria nos dias atuais. Confiram todos os filmes da programação no site.

    Boas sessões!