ERRO_404 - 30 ANOS DA WEB


Desde o surgimento da World Wide Web (o famoso www dos endereços de sites) em 1989, a internet se tornou um elemento inseparável das nossas vidas, mudando drasticamente a maneira como nos relacionamos com o mundo. A internet é uma peça fundamental na forma com que estudamos, trabalhamos, distribuímos e recebemos informações, comercializamos e até como nos locomovemos. A mostra erro_404 - 30 anos da Web apresenta filmes que mostram como a sociedade se relacionou e continua se relacionando com a internet e trazem reflexões sobre a configuração de um mundo conectado.

Nosso acesso à informação, por exemplo, se tornou quase ilimitado e instantâneo com a emergência de bibliotecas virtuais, ferramentas de pesquisa e sites de armazenamento de conteúdo. Pelo e-mail e pelas redes sociais, o mundo virtual se tornou uma parte essencial das formas com que nos comunicamos e interagimos, afetando até mesmo como nós nos identificamos enquanto pessoas, cidadãos e trabalhadores. 

O documentário Eis os delírios do mundo conectado, de Werner Herzog, traça um breve panorama da história da internet e de como ela mudou o nosso jeito de viver, do seu início primitivo em universidades até o tempo presente, abordando o seu uso para processos industriais, pesquisas científicas, comunicação virtual e lazer, e disso para um futuro de incertas e inúmeras possibilidades.

A importância da internet no dia-a-dia das pessoas e suas formas de uso cresceram formas muitas vezes imprevisíveis, gerando anseios sobre os riscos desse desenvolvimento. Filmes como Kairo e Matrix apresentam distopias baseadas no futuro da internet, nas quais o mundo virtual leva a uma perda de relação com o mundo real. O primeiro, dirigido por Kiyoshi Kurosawa e destaque do cinema de terror japonês moderno, tem uma visão fantasmagórica e até apocalíptica do futuro da internet, refletindo um certo medo dela como veículo de isolamento e desconexão dos usuários com a realidade. O segundo, a clássica superprodução americana das irmãs Wachowski, apresenta uma versão extrema dessa desconexão por meio de uma rede digital ilusória que simula o nosso mundo, até que alguns de seus habitantes começam a questionar suas próprias realidades. Her, o premiado filme de Spike Jonze, também fala de um futuro centrado no mundo virtual, no qual as inteligências artificiais funcionam como substitutas do mundo real para satisfazer as necessidades de companhia, atenção e comunicação do ser humano.

Há uma abundância de serviços providos pela internet na forma de sites, aplicativos, jogos ou outros programas, e a quantidade de dados que encontramos nela mostra como ela torna todo tipo de conteúdo online acessível e teoricamente ilimitado para os seus usuários. Pensando na internet como veículo de conteúdos, Demonlover - espionagem na rede, do francês Olivier Assayas, é um technothriller que reflete a internet do início dos anos 2000 centrado no seu potencial para propagar e popularizar conteúdos carregados de violência física e sexual, e a perda de sensibilidade a essa violência que o mundo virtual causa nos usuários.

Cidadãoquatro, por outro lado, questiona a própria natureza da forma com que transmitimos e recebemos dados. O documentário trata do chamado hacktivismo, uma forma de hacking como ato político, e acompanha a decisão do programador Edward Snowden de revelar o amplo sistema de vigilância dentro e fora da internet criado pelo governo americano. O filme apresenta os riscos e as consequências da compartilhação de dados online quanto à privacidade dos seus usuários.

Boa parte do conteúdo disponibilizado pelos usuários na web é sobre eles próprios, fruto do uso da internet para comunicação pessoal. Tratando desse compartilhamento de dados, que no contexto atual ocorre de forma constante, extensa e até descontrolada nas redes sociais, Oitava série é um retrato da nossa relação com esses redes, voltado para a geração de adolescentes que cresceram na era da internet. No filme, as dificuldades que uma aluna do ensino fundamental encontra para interagir com outras pessoas e de descobrir os seus próprios gostos e objetivos para o futuro refletem a presença constante das redes sociais no dia a dia e o papel delas como parte da identidade das pessoas e de como elas se apresentam online.

Esse tipo de relação com a web tem uma forte relação com o surgimento de serviços de postagem e exibição de vídeos na internet em sites como o Youtube, Facebook, Instagram, Snapchat e Vimeo. Buscando…, situado inteiramente em telas de computadores e celulares utilizando diferentes sites e aplicativos, apresenta tanto o desaparecimento de uma adolescente quanto a investigação conduzida pelo próprio pai como fruto da relação de ambos com a internet; a coleta de dados que o pai realiza com base nas redes sociais, nas pesquisas de sites e em serviços como o Google Maps mostra um contato e envolvimento constante dos personagens com a web e revela interconexões entre os personagens que levam a diferentes caminhos na investigação.

Transformers: o premake, vídeo-ensaio experimental de Kevin Lee, tem um formato semelhante; dentro da área de trabalho do seu próprio computador, o diretor exibe suas pesquisas de artigos e arquivos de áudio e vídeo na internet para analisar a cobertura da produção do quarto filme da franquia Transformers e o papel da internet na divulgação do filme feita pelo estúdio e também pelos próprios espectadores. Nunca é noite no mapa é outro filme realizado dentro de novos formatos disponíveis na internet: por meio do Google Street View, o documentarista Ernesto de Carvalho apresenta um retrato da sua cidade por meio dos mapas registrados pelo site ao longo dos anos como ponto de partida para reflexões sobre a natureza das imagens e as implicações históricas e políticas desse registro virtual.

A internet teve e continua tendo um caráter revolucionário e constantemente transformador nas nossas vidas, e sua existência está completa e inevitavelmente relacionada ao mundo em que vivemos e a como interagimos com ele. Seja de formas lúdicas, acadêmicas, artísticas, políticas, comerciais ou profissionais, nossa interação com o mundo real está cada vez mais intrínseca à nossa interação com o mundo virtual. 

O CINUSP convida todos a explorar com esses filmes a inerência do virtual na nossa realidade, a refletir sobre a importância da web no nosso cotidiano e a descobrir como o cinema pode incorporar as linguagens, os dilemas e os universos da internet. 

Boas sessões!