PODER PRETO


A mostra PODER PRETO traz narrativas de pessoas negras que tomam para si o poder de tecer a própria história no espaço cinematográfico, incorporando questões identitárias e culturais, mas que não resumem a existência dos personagens à opressão do racismo. Cada filme carrega uma significação diferente de herança e identidade negra, sem omitir implicações políticas de ser um indivíduo negro, mas também celebrando a excelência em conquistar espaços de relevância na cultura ocidental.

 A indústria cinematográfica mundial, sendo produto de sociedades embasadas em princípios e historiografias eurocentricas e norte-americanas brancas e racistas, só recentemente começou a diversificar, dentro do mainstream, o leque de representatividade da comunidade negra. 

Nos últimos anos nomes como Beyoncé, Barry Jenkins e Donald Glover tem vozes de destaque na luta pela mudança de como a pessoa negra americana é representada, e encarada. Estão incluídos na mostra o álbum visual Lemonade, o longa-metragem Se a Rua Beale falasse e a série Atlanta, em que esses autores lançam discussões acerca de questões identitárias relacionadas à forma de amar, construir uma família, lidar com privilégio e construir uma autoimagem.    

Esses títulos que ganharam repercussão dão continuidade à transformação da representação negra presente em uma história de produtos audiovisuais em formatos de cinema, televisão e V.O.D., de caráter experimental e comercial, e da indústria fonográfica. Hoje, conquistam cada vez mais espaço obras que exaltam a condição do negro como encarregado de definir as nuances de sua própria imagem, mas a luta pela igualdade e pelo empoderamento já se manifestava em Shaft, de 1971. O filme é um marco do início do movimento Blaxploitation, encabeçado por realizadores negros, que se apropriavam de narrativas vividas por brancos nos meios audiovisuais e colocavam nessas narrativas a perspectiva de si mesmos.

A representatividade e reafirmação da presença negra na indústria também é corroborada pela variedade de formatos estéticos e narrativos como é possível observar por exemplo em Chi-raq, musical de Spike Lee, e A pequena vendedora de sol, filme híbrido de ficção e documentário do diretor senegalense Djibril Diop Mambéty. Ambos são fruto de adaptações literárias da comédia grega do conto africano, respectivamente, que retratam a deterioração da vida urbana em Chicago e em Dakar. 

Os filmes selecionados conferem amplo alcance a narrativas protagonizadas por pessoas negras, que são historicamente monopolizadas por protagonistas brancos. Filmes de romance, terror e super-herói, são politizados pelo olhar dos autores negros e se tornam capazes de proporcionar identificação de um público que não está acostumado a se enxergar nessas histórias. Pantera Negra, de Ryan Coogler, e Nós, de Jordan Peele, são exemplos relevantes da inserção da presença da cultura negra no gênero de terror e no filme de super-herói, ambos sucesso de crítica e público. 

Além disso, comédias recentes abordam personagens negros que possuem força e individualidade deixando de lado estereótipos, como é o caso de Dope: um deslize perigoso e Sorry to bother you, o que reforça a capacidade de criar identificação entre o público negro e os protagonistas nos filmes.

No âmbito brasileiro, temos Antonia, filme que retrata a ascensão de um grupo de cantoras da Brasilandia ao sucesso, e também Ó paí ó,  filme estrelado por Lázaro Ramos, que adquiriu status de clássico nos anos 2000. A liberdade religiosa também é um aspecto importante para o panorama e é abordada em A mulher da casa arco-íris, curta em pré-estreia do cineasta Gilberto Sobrinho.

A interseccionalidade também é fundamental para construir um panorama de uma representação diversa no audiovisual. Em The fits e As filhas do pó, o universo feminino negro é retratado em dois contextos de busca por identidade, o primeiro a partir do retrato da percepção do gênero feminino na infância e o segundo com uma idealização da continuidade de valores ancestrais yorubá. 

A música também abre espaço para difusão do trabalho de diferentes identidades pretas. Além de Lemonade, que apresentou para a indústria uma nova forma de se explorar a junção de música e vídeo, ainda aparecem em nossa mostra nomes como Baco Exu do Blues e seu premiado Bluesman e Childish Gambino - já citado aqui por seu outro nome: Donald Glover - com o fenômeno This is America.

O conjunto de filmes escolhidos atravessa um universo variado de formatos audiovisuais, gêneros cinematográficos e identidades negras, se propondo a desmistificar a ideia de que a representação da pessoa negra no audiovisual deva ser limitada à figura da vítima da repressão do racismo ou a enredos conciliatórios com o branco.

A presença de pessoas negras no audiovisual como todo ainda é emperrada pelas consequências do racismo estrutural da nossa sociedade, mas a mostra PODER PRETO, nome que remete aos movimentos políticos e estéticos iniciados na década de 1960, procura celebrar a excelência do trabalho de artistas que vêm diversificando a indústria e alcançando um público progressivamente maior, fazendo com que as pessoas prestem atenção nas narrativas de pessoas negras de todo o tipo de origem e que essas personagens e pessoas públicas sejam espelho para futuras gerações de espectadores.

O CINUSP agradece a colaboração de Mariana Queen Nwabasili e da Comissão de Direitos Humanos da ECA-USP.