COMO ERA GOSTOSO O MEU VERÃO


Um passeio por museus, um mergulho em um riacho, uma viagem para a praia. Como você lembra do seu verão? O CINUSP apresenta a mostra COMO ERA GOSTOSO O MEU VERÃO, de 29 de novembro a 19 de dezembro, procurando recordar nosso público de um verão outro, não marcado pelo contexto pandêmico, e recuperando assim uma perspectiva retroativa e de rememoração saudosista. Composta por 13 filmes, a curadoria traz diferentes recortes de experiências que só seriam possíveis em um contexto de férias de verão, levando em consideração diferentes realidades ao redor do mundo e seus impactos subjetivos nas personagens.

 

Iniciando nossa mostra com um filme vibrante e intenso, Vando Vulgo Vedita, de Andreia Pires e Leonardo Mouramateus, retrata um grupo de amigos que está em busca de Vando. O curta se divide em dois atos: uma busca pelo amigo, que emaranha-se entre lembranças e uma viagem sensual para a praia, e um momento torturante que antecede o desaparecimento de Vando. O filme transita, de um lado, por uma fluidez que se manifesta de diferentes maneiras nos diálogos, havendo uma diluição da interpretação causada pela coloquialidade e naturalidade das conversas, o que nos faz duvidar de seu caráter fictício; e, de outro, por uma fusão dos personagens com o espaço, tornando-se, cada um deles, uma faceta de Vando.

 

A presença da sensualidade torna-se mais evidente em Um Vestido de Verão, de François Ozon. Um jovem casal entediado e fora de sintonia encontra-se hospedado em uma casa de praia no sul da França. A dança sedutora de um deles, Sébastien, levará seu companheiro, Luc, a escapar da casa e a se aventurar em uma viagem erótica na praia e nos arbustos que a margeiam, explorando momentos de autolibertação e de fluidez da sua sexualidade.

 

Evocando o verão carioca dos anos 70 e a busca pelo prazer como meta, Inocentes, filme de Douglas Soares, apresenta com olhar voyeurístico a obra homoerótica de Alair Gomes. Através da janela de um apartamento em Copacabana, observamos o mundo idílico e cambiante da praia, onde o vento, o mar, o sol e os banhistas encenam, ainda hoje, o sensual e sedutor espetáculo que deslumbrava o fotógrafo. Arte e desejo reprimido se misturam, tornando-se um único elemento nesta narrativa cinematográfica. Se em Inocentes o desejo reprimido é canalizado por uma teleobjetiva mantida secretamente à distância, em Itsy Bitsy Teeny Weeny, a diretora Frances Arpaia aborda o verão em formato de filme caseiro com um compilado de fotos de duas mulheres transexuais divertindo-se na praia, entre beijos e danças. Curto e “vitaminado”, o filme reafirma o direito de existência e a ocupação de espaços potencialmente hostis.

 

Na animação Em Outro Lugar, de Mélody Boulissière, um homem resolve, em um impulso consumista, dar uso ao que comprou e embarca em uma viagem que transita entre paisagens. O bucólico e o citadino são explorados em uma construção singular feita com o uso de colagens e bruscas pinceladas, diluindo-se em uma experiência sensorial de investigação da plasticidade da imagem. Igualmente entre o bucólico e a cidade, Fragmentos, filme italiano de Franco Piavoli, acompanha de forma sutil beijos, olhares e carícias de casais apaixonados no verão europeu. A mistura entre paisagens arquitetônicas e naturais se mesclam no ciclo de um dia, cujas referências temporais se perdem entre o sol ardente que ilumina a pele das personagens e o riacho no qual um casal sensualmente se banha.

 

Uma suspensão temporal semelhante aparece em Últimas Lembranças de Abril, de Nancy Cruz Orozco, só que conjugada à efemeridade da trama. Nele, duas amigas que cresceram juntas em uma pequena cidade do México entram em uma jornada de autodescoberta sexual durante as férias de verão. De forma intimista e lírica, acompanhamos as últimas recordações de um desejo que se manifesta silenciosamente, por meio de olhares, gestos e interação entre os corpos.

 

O filme As férias do cineasta, do documentarista holandês Johan van der Keuken, incorpora a rememoração ao combinar cenas de uma viagem em família com o seu próprio passado. O filme adota um tom ensaístico e se utiliza de digressões para pôr em convergência as memórias de seu avô, de seus primeiros filmes e encontros marcantes de seu passado. A recordação se manifesta também nos moradores locais da pequena cidade onde a família do cineasta está de férias, já que o encontro entre as duas famílias põe em evidência as diferenças de geração, país e classe social. Os personagens vivem as contradições entre presente e passado, vida e morte, explicitando uma oposição clara entre aqueles que aproveitam suas férias e aqueles que apenas seguem com seu cotidiano.

 

E por falar em contrastes sociais e de vidas com realidades antagônicas, A Propósito de Nice, de Jean Vigo, explora o vão entre as diferentes classes na cidade de Nice, na Costa Azul. Um filme de vanguarda que subverte poeticamente os clichês acerca da famosa e rica cidade de veraneio, criando um retrato inusitado, crítico e irônico, atual até hoje. Explorando, ao contrário, um verão subdesenvolvido, o filme turco Balneário, de Merve Kayan e Zeynep Dadak, apresenta uma ambientação e personagens que remetem ao verão brasileiro, repleto de rituais e códigos semelhantes, como um bar lotado de espectadores de futebol, bailes, feiras noturnas, isopores e comidas levadas de casa.

 

Noel Black representa, de forma leve e extasiada, o verão californiano dos anos 60 em Skaterdater. Em um típico subúrbio estadunidense, acompanhamos um garoto dividido entre seu amor pelo skate e por uma garota. Em um espetáculo de corpos em movimento, notamos os personagens, descalços e livres, realizando manobras impressionantes ao som de surf rock, criando um retrato leve das férias de verão, em que os meninos vivem seus dias sem maiores preocupações. Por outro lado, em Julho, de Darezhan Omirbayev, observamos, através de uma perspectiva “neorrealista”, as férias de verão de duas crianças cazaques que procuram formas de ganhar dinheiro para assistir a um filme de Bollywood. No que se refere à linguagem utilizada, o filme traz um detalhamento lírico, com planos fechados em cenas aparentemente simples, como quando o menino observa o reflexo de seu pé no espelho em um momento de tédio.

 

Já o filme Verão, de Wilson Barros, com montagem de Vânia Debs, inspirado na obra de Julio Cortázar, retrata a vida de um casal que está hospedado em uma casa de praia. Em uma única ambientação, assistimos às experiências do casal se confundindo com gatilhos e paranoias de um passado ainda vivo. Situações aparentemente banais perturbam o casal em momentos nos quais o lazer e a tranquilidade deveriam prevalecer.

 

Fluido ou conflitante, idílico ou realista, todos os filmes representam, cada um à sua maneira, um verão possível sendo experimentado de acordo com seus respectivos contextos. Convidamos nosso público a mergulhar neste universo solar e a se banhar nesses verões.

 

Boas sessões!