NOVÍSSIMO CINEMA BRASILEIRO


Entre os dias 16 de maio e 15 de junho, o CINUSP apresenta a décima edição da NOVÍSSIMO CINEMA BRASILEIRO, tradicional mostra que festeja a diversidade da produção cinematográfica brasileira contemporânea. Neste ano, após o interrompimento da nona edição e do hiato sofrido durante a pandemia, retornamos com 25 filmes e uma série de eventos em nossa programação. São 3 pré-estreias, 4 debates e 3 sessões especiais. O nosso público poderá entrar em contato com relevantes produções nacionais dos últimos três anos. Nossas sessões são gratuitas e abertas para todos, sendo agora realizadas na nova sala, localizada no Anfiteatro Camargo Guarnieri.                       

A Novíssimo Cinema Brasileiro visa dar espaço para produções diversas, valorizando a pluralidade de vozes, autores, gêneros e escopos. O experimentalismo e o baixo orçamento, por exemplo, são condições que sempre convergiram no cinema nacional. Tais condições de produção, entretanto, nunca foram impedimento para a realização de obras potentes. Em A Cidade dos Abismos de Priscyla Bettim e Renato Coelho, o assassinato de uma mulher trans é investigado por seus amigos em enquadramentos oníricos e cenários que remetem ao cinema da Boca do Lixo. Reforçando o contraste de uma cidade hostil, o longa gravado em película experimenta com efeitos de distorção e iluminação à semelhança de Extremo Ocidente, de João Pedro Faro. De inegável densidade psicológica, Faro desenvolve através de um acentuado trabalho de som e da improvisação um longa de universo muito particular, onde um soldado e um Canibal são os principais personagens. Há ainda Canto dos Ossos, de Jorge Polo e  Petrus de Bairros, que se aproveita dos códigos do horror para construir a aventura satírica de um grupo de jovens vampiros cearenses - uma exibição de criatividade marcante e necessária.       

De um cinema mais urgente do que nunca, a presença índigena atrás e a frente das câmeras aparece em filmes como Yãmĩyhex, as Mulheres-espírito. No documentário, o casal Sueli e Isael Maxakali acompanha o ritual de despedida das mulheres-espírito da Aldeia Verde - trazendo uma relação íntima e rítmica ao assumir o ato de filmar como uma possível forma de manutenção das tradições do seu próprio povo. A Febre de Maya Da-rin, falado nas línguas indígenas tukano e tikuna, propõe uma imersão a vida do de Justino, um indígena vigilante do porto de cargas de Manaus que é tomado por uma febre misteriosa quando sua filha viaja à capital para estudar medicina. Entre a fantasia e o suspense, o filme se mostra uma poderosa reflexão sobre dominação cultural e pertencimento, assim como A Última Floresta, longa dirigido por Luiz Bolognesi e co-roteirizado pelo xamã Davi Kopenawa, que denuncia o garimpo ilegal nas terras amazônicas, ao mesmo passo que encena os mitos e sonhos dos Yanomamis.                               

Na mostra, outras lutas também encontram eco sobre o ecrã. É o caso da luta por moradia travada em Cadê Edson? documentário dirigido por Dácia Ibiapina, que rastreia a trajetória dos movimentos sociais no Distrito Federal. Dácia propõe a humanização de centenas de militantes e moradores de ocupação, muitas vezes apresentados como terroristas pelos meios de comunicação. Libelu - Abaixo a Ditadura resgata a memória da tendência universitária “Liberdade e Luta”, surgida na USP em 1976. Passadas quatro décadas, o longa de Diógenes Muniz pretende investigar onde estão e como pensam os jovens trotskistas que foram às ruas contra a ditadura. Na ficção Cabeça de Nêgo, do diretor cearense Déo Cardoso, a luta é de uma ocupação estudantil secundarista, movida pela consciência social por parte do protagonista Saulo, que desloca-se num crescente bem orquestrado e com imensa vontade de potência.           

É fato que o cinema brasileiro contemporâneo está preocupado com os desafios e lutas do nosso tempo, mas, para compreendê-los, às vezes se faz necessário uma volta ao passado. Presentes na Novíssimo estão instigantes ficções históricas recentes. No filme A Viagem de Pedro, de Laís Bodanzky, as inseguranças e mazelas de Dom Pedro I são imaginadas no contexto de sua travessia pelo Atlântico, quando o ex-imperador tenta entender o porquê de tudo ter dado errado nos planos traçados para sua vida e para o futuro da nação. Investigando um período histórico próximo está Todos os Mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra, que revive de modo sombrio uma São Paulo pós-abolição, onde os fantasmas da escravidão se tornam as preocupações principais de duas famílias ligadas ao café. Questionando as permanências coloniais na sociedade, o longa ousa ao brincar com as noções de tempo e com as convenções do gênero suspense. Já em Marighella, primeiro longa-metragem dirigido por Wagner Moura, a figura quase mítica do guerrilheiro e intelectual Carlos Marighella é desenhada - revelando o porquê dele ter sido um dos maiores inimigos da ditadura militar.                       

As relações interpessoais, sejam entre amigos ou familiares, também são tema de belíssimas obras. Meu Nome é Bagdá, coming of age comandado por Caru Alves, acompanha a vida de uma skatista de 17 anos, moradora da Freguesia do Ó. Cercada de mulheres fortes em seus laços familiares, mas acompanhada apenas de homens no esporte, os horizontes de Bagdá se expandem ao conhecer um grupo de meninas skatistas. Ainda enfrentando a misoginia e a truculência policial, as skatistas constroem laços e uma ilha de afeto onde podem andar livremente. Em A Praia do Fim do Mundo, de Petrus Cariry, é também no laço com sua amiga que Alice busca refúgio: do medo da invasão do mar em sua casa, da insistência de sua mãe de permanecer mesmo com o risco e do descaso do governo com os espaços periféricos. É com o sumiço da companheira que Alice tem que lidar com a força fantasmagórica do mar, que carrega a lembrança daqueles que nele sumiram, como o seu pai.

Em Os Primeiros Soldados, a metáfora da guerra serve de ponto de partida ao diretor Rodrigo de Oliveira para discutir o surgimento da primeira onda de HIV no país. No emocionante longa, o ápice da cumplicidade entre jovens LGBTQIA+ acometidos pela doença é encontrado na montagem paralela e na recriação de filmagens caseiras. Enquanto em Deserto Particular de Aly Muritiba, a história de um policial exemplar que precisa aprender a lidar melhor com seus afetos e preconceitos é contada atráves de um melodrama com performances de alto nível. Também representante do expoente cinema queer brasileiro contemporâneo é Vento Seco, o primeiro longa do mato-grossense Daniel Nolasco. Apostando na sensorialidade construída através de fortes cores e da trilha sonora eletrônica, o filme acompanha as fantasias de Sandro, um homem que trabalha em uma fábrica de fertilizantes e tem um relacionamento sexual com um de seus colegas.       

Outros documentários, por sua vez, se valem de diversos mecanismos e dispositivos para incitarem discussões cada vez mais pungentes. Em Para Onde Voam as Feiticeiras, através de manifestações artísticas, um grupo de performers realiza encenações públicas que levantam debates sobre questões de gênero, desigualdade social e preconceito nas ruas do centro de São Paulo.                                    

Importante animação brasileira contemporânea, Bob Cuspe - Nós não Gostamos de Gente também compõe a mostra. O projeto busca homenagear a vida e obra do cartunista Angeli no longa em stop-motion. Num universo metalinguístico, personagens conhecidos do velho público como Rê Bordosa e o punk Bob Cuspe chegam às telas.       

E dentre os títulos dirigidos por nomes já conhecidos e consagrados, há Capitu e o Capítulo de Júlio Bressane, exibido numa sessão especial. A livre adaptação do romance de Machado de Assis adota quadros barrocos e performances teatrais, dando uma roupagem inovadora a um clássico da literatura brasileira. Sertânia, último filme de Geraldo Sarno, traz a vida sertaneja dos cangaceiros e dos beatos numa saga eletrizante, repleta de iconografias que referenciam o Cinema Novo e a própria filmografia do diretor baiano, falecido no último ano e homenageado em um debate. Também homenageado é Hector Babenco, no documentário Babenco - Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou, realizado por sua companheira Barbara Paz às vésperas de sua morte. Gravando os momentos finais do marido, o filme de Paz é um registro sensível da despedida entre os dois e também um testemunho do amor de Hector pela sétima arte.               

Unindo longa-metragens de diferentes temáticas, estéticas, gêneros, regiões, modos de produção e de distribuição - a seleção retoma obras que tiveram suas exibições prejudicadas devido a pandemia de COVID-19, ao mesmo tempo que se atenta para as novas obras que vem ganhando destaque nos circuitos e festivais. Em um período tão incerto para o fazer audiovisual, valorizamos cada vez mais a vasta capacidade de criar e de se reinventar que a nossa cinematografia nacional possui.

Convidamos a todos, dos assíduos frequentadores aos que acabaram de descobrir o CINUSP, a conhecerem e acompanharem nossa seleção de filmes!

Boas Sessões!