MELODRAMA: CINEMA DE LÁGRIMAS


"O melodrama traz a delícia de chorar, porque as lágrimas redimem; as lágrimas purificam.

Por que os espectadores gostam de chorar?"

 

A música sobe. Na tela, um beijo interrompe o trânsito de uma grande cidade, uma filha chora a morte da mãe que não foi capaz de amar em vida, ou uma moça de família larga tudo para viver um grande amor. A platéia, em êxtase, responde com lágrimas de felicidade ou tristeza. Alguns dos principais gêneros cinematográficos são marcados pela reação que provocam no público. Assim, se o terror tem o susto e a comédia, as risadas, o melodrama tem o choro. A fim de trazer a pluralidade e a importância desse gênero cinematográfico, entre os dias 2 e 28 de maio, o CINUSP apresenta a mostra “MELODRAMA: CINEMA DE LÁGRIMAS”.

 

Advindo da ópera - da onde vem a etimologia da palavra (melos [música] + drama) -, da novela de folhetim e do teatro popular, o melodrama marca a remodelação artística promovida pelas revoluções burguesas. Antes restritos à aristocracia, a literatura e o teatro europeu não só passam a ser consumidos por uma ascendente burguesia, como também ocupam as ruas das cidades, apelando às classes populares. Histórias antes protagonizadas por reis e princesas deslocam-se para uma ambientação muito mais doméstica, com a qual o público poderia se identificar. 

 

No teatro e na literatura desse período, o melodrama caracterizou-se enquanto um gênero pautado pelo conflito e pelo exagero. O confronto entre o bem e o mal, advindo da moral burguesa, encontrou no entretenimento popular um poderoso veículo. Esse embate é amplificado pelos aspectos pitorescos da obra que buscam não só estabelecer de forma clara e dicotômica o que é o certo e o errado, mas também emocionar o público, permitindo uma conexão com a história contada.

 

O silêncio do cinema, num primeiro momento, foi o meio perfeito para a continuação das intensas atuações do teatro popular. Compartilhando métodos e temas parecidos aos dos formatos anteriores, o melodrama cinematográfico dedica-se aos contos morais e conflituosos, capazes de apelar para um grande público. Aurora (1927) é um filme realizado no entre guerras, um período de muita prosperidade para os Estados Unidos, mas também de grandes mudanças; a modernização acelerada do país mudou as formas de consumo e o estilo de vida da população. É, inclusive, nesse momento que europeus como F.W. Murnau, diretor de Aurora, e Douglas Sirk, mestre do melodrama, mudam-se para os Estados Unidos fugindo da destruição da primeira guerra ou do início da segunda. Como reflexo destas mudanças, o longa traz a história de uma mulher urbana que chega a uma pequena vila rural onde seduz um homem casado e o convence a matar sua esposa. Os virtuosos valores do passado, representados pela vida bucólica da vila e pela esposa do protagonista, são ameaçados pela perigosa expansão urbana, personificados na figura da mulher sedutora. Na trama, não só cidade e campo são confrontados visualmente, mas também noções de desejo e culpa.

 

Como nem o cinema, nem o melodrama reconhecem fronteiras, Era Uma Vez em Tóquio (1953), considerado a obra-prima do diretor japonês Yasujiro Ozu, gira em torno das transformações que o pós-guerra e a industrialização do país impuseram à vida doméstica. Um casal de idosos que moram no meio rural, em visita à capital japonesa, é negligenciado pelos seus filhos atarefados demais com o ritmo urbano. A oposição do velho e do novo, presente em Aurora, repete-se. Esse é um conflito que reincide em diversos filmes da mostra, independente de geografia ou temporalidade. A Separação (2011), por exemplo, é um filme iraniano contemporâneo que se aproxima de Era Uma Vez em Tóquio. Nele, um casal se vê dividido entre sair do país e oferecer uma melhor qualidade de vida ao filho, ou ficar no Irã para cuidar do pai que tem Alzheimer. 

 

Nas décadas de 1920, 1950 e 2010, um tema universal encontra centenas de universos particulares, de privacidades, para encarnar. O melodrama, em toda a sua intensidade e seu exagero, trata a vida doméstica sem cinismo, como se fosse a coisa mais importante do mundo, e a dor dos seus personagens como a mais genuína possível. Nesse sentido, o gênero é, também, uma poderosa ferramenta de crítica social, visto que trata das contradições sociais num nível pessoal, tornando sua mensagem ainda mais apelativa.  

 

No seu período mais clássico, entre as décadas de 1930 e 1960, o melodrama teve um público predominantemente feminino. Até hoje, as telenovelas, fruto do gênero cinematográfico, são mundialmente voltadas para as mulheres. Alguns dos filmes de Douglas Sirk chegaram, inclusive, a ser chamados de Woman’s Films (filmes de mulheres). Não é sempre que o CINUSP inclui na mesma mostra dois filmes do mesmo diretor. Todavia, quando se trata de Sirk, é impossível escolher um único melodrama. Por isso exibiremos Tudo O Que o Céu Permite (1955) e Imitação da Vida (1959), dois longas sintomáticos da estética e da retórica que tornaram-se convencionais no gênero. Aqui, o estilo kitsch de Sirk, que tornou-se convenção dentro de telenovelas, é latente: lindos cenários adornados com espelhos, vitrais coloridos e flores ganham, a partir do Technicolor, uma intensidade própria, criando um universo concomitantemente belo e cáustico. 

 

Enamorada (1946) é um entre os diversos melodramas feitos entre os anos 1930 e 1960, centrais para o estabelecimento da linguagem das famosas novelas mexicanas. O filme vale-se não só das típicas atuações e situações exageradas, mas também de uma direção que acentua essa potência. O diretor Emílio Fernandez, em conjunto com o fotografo Gabriel Figueroa, vale-se de bruscos zooms e belíssimos closes que nos permitem ver o semblante de espanto ou as lágrimas perfeitas de Maria Felix, atriz icônica do período. Essas técnicas tornaram-se praxe na televisão mexicana. 

 

Na segunda metade do século XX, com os Cinemas Novos e a queda do Código Hays, código moral conservador que vigorou em Hollywood entre as décadas de 1930 e 1960, o melodrama começou a ser questionado. A dicotomia e o exagero do gênero foram criticados por muitos realizadores que, naquele momento, buscavam histórias realistas, com mais nuances ou, até mesmo, que colocavam em xeque a estrutura do cinema narrativo clássico como um todo. Existem, todavia, releituras. Em O Direito do Mais Forte a Liberdade (1975), uma clássica história de conflitos de classes é narrada a partir de uma chave melodramática. Fox, após ganhar na loteria, ascende socialmente. Ele inicia um relacionamento com Eugen, um jovem pequeno-burguês, que, embora se incomode com a origem pobre de Fox, encontra no dinheiro dele a chance de salvar os negócios de sua família. O diretor e estudioso do gênero, Reiner Werner Fassbinder, é um entre tantos que apropriaram-se do modo melodramático para conferir intensidade às suas histórias. A estrutura narrativa e a cenografia kitsch remetem aos clássicos hollywoodianos da década de 1950. O contexto, porém, é outro: o universo gay setentista alemão. Além de Fassbinder, Pedro Almodóvar faz presença na mostra com A Lei do Desejo (1987), também trabalhando com o modo melodramático como vetor de uma sensibilidade queer.

 

Na atualidade, frequentemente utilizado como moldura para quando se quer falar do passado, como é o caso de A Vida Invisível (2019) e Titanic (1997), e presente em todas as novelas latino americanas, o melodrama permanece um moderno convite à emoção. Caracterizados pelos seus conflitos apelativos, os filmes que compõem essa mostra nos permitem não só reconhecer as aflições do passado, mas fundamentalmente sentí-las, emocionando-se com o que já foi e nem aconteceu conosco. Contamos, ainda, com a presença dos estudiosos Ismail Xavier, Luiz Carlos de Oliveira Júnior e Alexandre Kishimoto, que irão comentar e debater os filmes Tudo O Que o Céu Permite, Imitação da Vida e Era Uma Vez em Tóquio, respectivamente. Assim, o CINUSP convida o seu público para chorar e conhecer esse gênero cinematográfico em seu início, momento áureo, releituras e contemporaneidades.

 

Boas sessões!


 

Caso se interesse em ler mais sobre melodrama, recomendamos:

 

  • CARLOS OLIVEIRA JR, Luiz. Em defesa do melodrama. In: MACIEL GUIMARÃES,  Pedro e STARLING CARLOS, Cássio (Org.). Douglas Sirk: o príncipe do melodrama. São Paulo: Centro Cultural do Banco do Brasil; Ministério da Cultura, 2012. p. 43 - 55. 

 

  • XAVIER, Ismail. Os excessos, a dupla moldura e a ironia do mestre do melodrama. In: MACIEL GUIMARÃES,  Pedro e STARLING CARLOS, Cássio (Org.). Douglas Sirk: o príncipe do melodrama. São Paulo: Centro Cultural do Banco do Brasil; Ministério da Cultura, 2012. p. 85 -103.

 

  • XAVIER, Ismail. O olhar e a cena: melodrama, Hollywood, cinema novo, Nelson Rodrigues. São Paulo, Cosac & Naify, 2003.

 

  • KISHIMOTO, Alexandre. Cinema Japonês na Liberdade. São Paulo: Estação Liberdade, 2013, p. 53- 59, 194-198. 

 

  • OROZ, Silvia. Melodrama: o cinema de lágrimas na América Latina. Rio de Janeiro: Funarte, 1999.

 

  • MARIAS, Miguel. El Melodrama - Refugio de Romanticos. In: Nickel Odeon, Madrid, No. 2, Primavera, 1996, p. 108 - 120.

 

  • BROOKS, Peter. The Melodramatic Imagination – Balzac, Henry James, Melodrama, and the Mode of Excess. New Haven and London: Yale University Press, 1995.

 

  • ERFFMEYER, Thomas. I Only Want You to Love Me: Fassbinder, Melodrama, and Brechtian Form. In: Journal of the University Film and Video Association, Vol. 35, No. 1, MELODRAMA. Champaign: University of Illinois Press, 1983. p. 37- 43