NOVÍSSIMO CINEMA BRASILEIRO


Entre os dias 10 a 30 de abril, o CINUSP apresenta a 11ª edição da Novíssimo Cinema Brasileiro, tradicional mostra que apresenta a produção cinematográfica brasileira contemporânea. A seleção desta edição busca apresentar os filmes nacionais mais significativos lançados no último ano a partir de uma extensa pesquisa. A edição deste ano conta com 14 filmes em sua programação regular, além de pré-estreias, debates e uma sessão especial de curta-metragens.

Ao observar o cinema brasileiro recente, é notável como a intensificação das incertezas políticas e sociais influenciou a reflexão de grande parte das obras da mostra, encontrando diálogos e tensionamentos entre si. Em alguns filmes, a reflexão sobre o tempo presente se traduz na forma de distopias. O futuro opressor está presente em Medida Provisória, de Lázaro Ramos, no qual o governo brasileiro aprova uma medida de “reparação” do passado escravocrata e obriga cidadãos negros a migrarem para a África. Já Mato Seco em Chamas, de Adirley Queirós e Joana Pimenta, imagina uma realidade onde o petróleo se torna moeda de troca na região de Ceilândia (DF). O longa destaca-se pela mistura de ficção com a realidade, com a intervenção inesperada e impressionante de eventos da vida real em alguns momentos do filme, levando a seus realizadores e personagens a adaptar-se a essas imposições.

Para além de imaginar o futuro social, a reflexão também se faz no âmbito doméstico, a partir do a familiar. Em Marte Um, de Gabriel Martins, acompanhamos uma família negra da periferia de Contagem, que busca seguir com suas vidas e seus sonhos em meio às tensões no país após a eleição de um presidente de extrema direita. O microcosmo familiar entra em uma onda de "má sorte". Por meio de pequenos acasos, tudo começa a dar errado, como se a partir daquele ano um desalinhamento tivesse acontecido. Já Carvão, por sua vez, apresenta uma família endividada que recebe uma proposta inesperada: matar o mais velho da família e hospedar um homem desconhecido em troca de dinheiro. Num constante jogo de aparências, repleto de humor ácido, o longa questiona a ideia de uma família “perfeita” a partir de dificuldades financeiras e ofertas tentadoras.

Afastando-se da ficção e tomando uma abordagem documental para tratar da realidade brasileira, o filme Amigo Secreto, da diretora Maria Augusta Ramos, acompanha os bastidores do vazamento de conversas entre Deltan Dallagnol e Sérgio Moro a partir da perspectiva dos jornalistas responsáveis pelas matérias. Aqui, lado a lado dos repórteres, acompanhamos os desdobramentos deste processo investigativo. Enquanto isso, outros documentários, como Edna, adotam um ponto de vista mais intimista e experimental. À beira da rodovia Transbrasiliana, no sul do Pará, os relatos e diários de uma moradora da região expõem os custos que o suposto "progresso" trouxe à região. A mostra também contará com a pré-estreia do novo longa-metragem da cineasta Paula Gaitán, O Canto das Amapolas. No filme, também adotando uma perspectiva extremamente pessoal, a cineasta busca retratar a sua relação com sua mãe e as memórias afetivas construídas, encontrando imagens e sons que suscitam essa sensibilidade no espectador.

Esse trabalho de registro da memória também se faz importante quando tratamos da relação do cinema com as outras artes, usando do audiovisual para potencializar e trazer à tona o passado. É o caso de Racionais: Das Ruas de São Paulo para o Mundo, de Juliana Vicente, que, entre entrevistas e imagens de arquivo nunca antes vistas, acompanha a trajetória do lendário grupo de rap paulistano. Valendo-se da força das composições e das histórias de seus membros, o documentário não é apenas um registro do passado, mas uma reafirmação da força de sua música e de sua contínua importância. A exibição contará com a presença dos montadores Washington Deoli e Yuri Amaral para debater o processo de realização do filme. Da mesma forma, Andança - Os encontros e as memórias de Beth Carvalho faz um exercício similar, valendo-se apenas de imagens pessoais e de shows da artista, sem entrevistas ou intervenções externas, buscando reconstruir não apenas sua carreira, mas sua identidade e sua paixão pelo samba.

Esses longas são, em sua essência, exercícios de escavação e concisão de trajetórias artísticas realizados por seus montadores. No longa-metragem O Cangaceiro da Moviola, a figura de Severino Dadá, um dos mais criativos montadores do cinema brasileiro, que trabalhou com nomes como Nelson Pereira dos Santos, Rogério Sganzerla e Zózimo Bulbul, é colocada no holofote. O longa contará com uma pré-estreia com a presença do diretor Luís Rocha Melo para debater o filme e sua figura central.

Demonstrando a diversidade da cinematografia brasileira, há também filmes que fazem da animação sua forma, como Perlimps, do mesmo diretor de O Menino e o Mundo, Alê Abreu, que participará de uma conversa sobre seu novo filme na mostra. Com visuais impactantes, o filme impressiona por sua originalidade estética, alçando novos voos para o cinema de animação brasileiro. Também compõe a programação Turma da Mônica: Lições, de Daniel Rezende, novo filme baseado nas aventuras dos personagens de Maurício de Souza para as telas em que podemos ver um amadurecimento da turma em relação ao primeiro filme de 2019.

Em Noites Alienígenas, um dos primeiros longa-metragens realizado no Acre, acompanhamos o reencontro de três amigos de infância que seguiram rumos diferentes em suas vidas. O filme ocorre num contexto de chegada de facções criminosas do sudeste do Brasil para a Amazônia, denunciando o aumento da criminalidade na região e as consequências dessa migração para a população e cultura local.

Indo para o campo do fantástico, em Medusa, de Anita Rocha da Silveira, uma gangue de jovens mulheres tenta controlar tudo ao seu redor, incluindo outras garotas que consideram “pecaminosas”, através de atos de violência. Dominadas por um temor religioso, essas mulheres se inserem num ciclo de violência, em que todo e qualquer tipo de autonomia feminina é considerada sacrilégio, até o momento que uma das jovens dessa gangue questiona os valores do grupo, iniciando um movimento que as levará por caminhos inesperados. Esse questionamento das tradições é encontrado também em Paloma, em que a personagem título, uma mulher trans, sonha em casar com seu namorado. Baseado em uma história real, o longa captura com grande sensibilidade a intimidade e os sonhos de uma mulher que busca encontrar sua felicidade. Os confrontos entre a vida privada e a vida pública também são palco da trama de Regra 34, em que a protagonista precisa balancear seu trabalho como defensora pública e seu crescente interesse por práticas BDSM.

Para além dos longa-metragens, a mostra contará com uma sessão especial de curtas. Buscando apresentar uma diversidade nos formatos de produção de filmes brasileiros, o CINUSP traz à tela obras de diferentes realizadores de curta-metragens, formato com pouco espaço para exibição em grande parte dos circuitos de cinema para além dos festivais.

Pela abordagem das questões sociais, pelo caráter propositivo e desafiador das obras selecionadas e pela diversidade de formatos, os filmes atestam a resiliência, a força e a potência de nosso cinema. 

Convidamos a todos a conhecerem e se aprofundarem na produção recente brasileira!

Boas sessões!