PULSÃO DE FUGA
Fuja pro CINUSP!
Entre os dias 28 de Agosto e 24 de Setembro, a mostra Pulsão de Fuga explora as mais incríveis fugas e perseguições do cinema. Partindo de premissas simples e focando na figura da personagem perseguida, a seleção destaca filmes cujo conflito principal não se dá através da exposição ou do diálogo, e sim através da ação e do gesto. Filmes em que o corpo e o movimento dos personagens na tela são colocados antes de qualquer tipo de racionalização. Trata-se de um cinema de ritmos intensos, em que as opções são fugir ou ser capturado.
Quando tratamos destes tipos de filmes, temos aqueles cujas histórias partem de uma ideia simples para desenvolver a sua ação, confiando na capacidade imagética e de montagem específica do cinema para construir-se. Em Encurralado, longa de estreia de Steven Spielberg, um homem enfurece um motorista de caminhão ao ultrapassá-lo e é perseguido pela máquina. Num ritmo aceleradíssimo, Spielberg estende a ação para além da banalidade da premissa, reduzindo o conflito humano a relances desesperados no retrovisor e construindo a sensação de que o choque e a destruição podem ocorrer a qualquer momento.
O modo como o corpo se comporta na imagem é central para concepção de alguns desses filmes. Em A General, Buster Keaton interpreta um maquinista que, apesar de envolvido na Guerra Civil estadunidense, se preocupa mais com o seu precioso trem. Com algumas das sequências mais impressionantes do cinema, Keaton faz diversas acrobacias mortais em cima de um trem em movimento que extrapolam a fisicalidade do corpo, ecoando a comédia física de desenhos animados. Pensando nisso, a Sessão Especial de Curtas Animados, passa por quase um século de animação, com grandes clássicos de um cinema focado nas perseguições de gato, rato e papa-léguas.
Esse mesmo corpo acrobático é encontrado em Arizona Nunca Mais, de Joel Coen. O filme vale-se de momentos extremamente divertidos, como a sequência em que o protagonista, interpretado por Nicolas Cage, rouba um pacote de fraldas e é caçado por carros de polícia e cachorros através de um subúrbio. Essa perseguição que aos poucos vai se tornando cada vez mais mirabolante encontra paralelos com Intriga Internacional, de Alfred Hitchcock, em que o protagonista é jogado numa trama de conspiração, sem saber em quem confiar. Considerado um precursor de filmes de espionagem, o enredo de identidades trocadas se torna pretexto para colocar seu protagonista em cenários e situações cada vez mais impressionantes: indo desde uma sequência de fuga no Monte Rushmore à clássica cena em que Cary Grant é perseguido por um avião.
Uma dimensão interessante de ser notada em alguns longas é como o carro, e outros veículos, se tornam extensões do corpo de seus personagens. Para além do caminhão de Spielberg e a locomotiva de Keaton, o carro GT Falcon de Mad Max 2: A Caçada Continua atua no filme como principal meio de defesa e ataque de seu protagonista. Neste mundo pós-apocalíptico, gasolina e água se tornam recursos escassos, e para sobreviver é necessário fugir daqueles que farão de tudo para consegui-los. Já no filme Em Ritmo de Fuga, Baby, um motorista de fuga extremamente habilidoso, faz dos carros que rouba verdadeiros instrumentos, capazes de acompanhar a música que o guia, criando algumas das mais impressionantes sequências de perseguição recentes do cinema. Tratam-se de filmes acelerados, cuja montagem se faz essencial para construir o ritmo pulsante das perseguições.
O cinema de gênero, em especial o horror, flerta constantemente com perseguições e escapadas. A curadoria contempla filmes em que a figura que persegue é quase desumana, um verdadeiro receptáculo do mal encarnado. São filmes cujas vítimas não conseguem racionalizar com seus perseguidores e apenas a morte pode encerrar a fuga. É o caso de O Exterminador do Futuro, em que um androide enviado do futuro persegue uma mulher cujo filho se tornará o líder da resistência humana, numa intensa caçada. De forma similar, em Corrente do Mal, uma jovem é perseguida por uma força misteriosa imparável que somente ela pode ver e que não cessará até matá-la.
Há casos em que a fuga é o estopim para angústia e tensão inimagináveis. Em O Salário do Medo, de Henri-Georges Clouzot, e a sua refilmagem, O Comboio do Medo, do cineasta William Friedkin, a faísca inicial é simples: quatro homens num vilarejo da América do Sul aceitam levar caminhões carregados de nitroglicerina, que podem explodir a qualquer momento, em troca de uma escapatória daquele lugar. Apesar das condições climáticas diferentes — o deserto inóspito de Clouzot e a floresta tropical hostil de Friedkin —, em ambos, o conflito é dado na fisicalidade das ações. Com uma atmosfera sonora intensa e um ritmo cada vez mais agressivo, seus personagens são levados ao extremo em sequências viscerais que encurralam o espectador, como uma bomba prestes a explodir. No dia 31 de Agosto, O Comboio do Medo ganhará uma sessão especial em homenagem ao diretor recentemente falecido, contando com um debate com Filipe Furtado, crítico de cinema e redator da Revista Cinética.
E pensando em filmes que o ambiente torna-se o principal obstáculo, há aqueles em que concentram toda tensão em um único espaço. Em Um Condenado à Morte Escapou, de Robert Bresson, a tensão da fuga é uma constante desde o primeiro momento que o personagem entra na cela. Bresson, conhecido por seus filmes minimalistas, não explora as entranhas da prisão, mas mergulha em seu protagonista. Cada gesto se torna um pequeno passo em sua busca por liberdade. Aqui, ao contrário de outros filmes da mostra, o ritmo é mais pausado, mas nem por isso mais lento, pois cada movimento pode significar o fim para o protagonista. O longa contará com uma exibição especial seguida de debate com a pesquisadora Dalila Martins, como parte da Semana Franco-Uspiana.
Um ritmo similar é o que guia O Círculo Vermelho, de Jean-Pierre Melville, em que três ladrões, com passados diferentes, são colocados juntos com o objetivo de roubar uma joalheria, porém um detetive começa a persegui-los. O filme constrói sua ação de modo que o encontro de ambos personagens antagônicos seja ao mesmo tempo impossível e inevitável.
Por outro lado, temos o cinema intenso e violento de Michael Mann, com Fogo Contra Fogo, e John Woo, com O Matador. Nestes filmes acompanhamos ambos os lados da lei, com a investigação policial ocorrendo em paralelo à tentativa de fuga dos criminosos. O filme de Mann opta por uma abordagem mais “realista”, com sequências de ação pontuais, mas explosivas, como a icônica sequência de tiroteio, marcada pelo som intenso dos tiros e pelo ritmo frenético. Já o filme de John Woo mantém a pulsação acelerada, mas troca o “realismo” por uma violência extremamente estilizada, apresentando um esboço do que o diretor faria mais tarde com o estilo gun fu — usando armas de fogo como extensões do corpo em tiroteios que parecem socos.
Completando a programação, está a Maratona John Wick, exibindo os quatro filmes de uma das mais famosas franquias de ação do cinema recente. Bebendo diretamente de outros filmes contemplados nesta mostra, a história do protagonista, que se inicia com uma jornada de vingança, aos poucos se torna uma grande caçada internacional, repleta de paranoia e explosões de violência, em que ele deverá fazer de tudo para se manter vivo.
Com filmes que exploram os extremos da capacidade de movimento das imagens do cinema, a seleção busca traduzir a rapidez e a tensão que somente as maiores fugas podem proporcionar. Entre perseguidores implacáveis, fugitivos internacionais, ritmos e sons intensos e algumas das sequências de ação mais impressionantes que somente o cinema pode mostrar, o CINUSP convida todos seus espectadores a virem correndo para explorar sua Pulsão de Fuga.
Boas sessões!