DE REPENTE 30


A partir de 16 de outubro de 2023 o CINUSP inicia as comemorações dos seus 30 anos de existência, com a mostra de cinema De Repente 30, com uma curadoria de filmes lançados no ano de 1993.

Inaugurado em outubro daquele ano, o CINUSP foi criado como espaço para unir a difusão cinematográfica e a reflexão. A sala, cujas exibições sempre são gratuitas, ajuda desde então a estabelecer a USP como equipamento cultural da cidade, por meio de mostras temáticas com curadoria própria, debates, cursos, pré-estreias e parcerias.

E é para 1993 que a mostra De Repente 30 vai direcionar sua atenção! A realização de um filme começa muito antes dele ser lançado: entre a criação da ideia, escrita do roteiro, obtenção de financiamento, planejamento, filmagem, finalização e distribuição, podem se passar muitos anos. Mas é quando o filme é exibido e encontra seu público que finalmente ele passa de fato a existir. A safra de 1993 é recheada de obras hoje fundamentais para a história do cinema; e bem ao estilo da curadoria do CINUSP, a seleção da mostra inclui clássicos, diferentes gêneros e países, e raridades que talvez você ainda nem conheça.

Os filmes não vão desvendar tudo que estava acontecendo em 1993, uma época em que os telefones portáteis e a internet não faziam parte do nosso dia-a-dia, e a moeda do Brasil era o cruzeiro. Mas diversos traços do contexto histórico transparecem de forma direta e indireta em cada filme selecionado. 

Ecoava o fim da URSS e a reconfiguração europeia impactava cada anônimo cidadão, como podemos ver em Do Leste de Chantal Akerman, em sua típica estética de planos longos e intimistas. A sessão será acompanhada do curta Eu Vos Saúdo, Sarajevo de Jean-Luc Godard, outro estudo sobre como a arte deve lidar com a dura realidade. O grande símbolo do fim da Guerra Fria, a queda do muro e a unificação de Berlim, é central em Tão Longe, Tão Perto de Wim Wenders, local da nova trama com os anjos de Asas do Desejo, que perdem seu lugar de observadores divinos para participar dos sofrimentos e alegrias dos humanos.

Como deu para perceber, não faltam na mostra diretores que em 1993 já estavam estabelecidos entre os mais importantes da história do cinema. Ainda fazem parte da programação dois americanos da Nova Hollywood: Brian de Palma com Pagamento Final, um “filme de gângster” obrigatório no gênero e bastante estilizado, e Robert Altman com Short Cuts - Cenas da Vida, com um intrincado roteiro de dezenas de histórias que se cruzam, encenadas por um grande elenco, em tamanho e fama.

O filme de Altman recebeu o Leão de Ouro no Festival de Veneza naquele ano, dividindo o prêmio com A Liberdade é Azul, primeira obra da “trilogia das cores” do polonês Krzysztof Kieślowski. O filme é marcado pela comovente narrativa que se aproxima e se afasta, e uma montagem que usa de transições suaves para enfatizar a subjetividade da protagonista que tenta lidar com o luto. Um mergulho psicológico semelhante, porém de uma garota, aprendendo a lidar com a individualidade de seus pais e sua própria identidade, está presente em A Mudança, de Shinji Sōmai.

Também do Japão vem Adrenalina Máxima, filme que dá notoriedade à carreira de direção de Takeshi Kitano, e que combina a máfia Yakuza com momentos contemplativos e filosóficos, sem deixar de lado as cenas violentas e nos lembrar que é, também, um filme de ação. 

Outro gênero que não poderia faltar é a animação, com a inconfundível stop motion O Estranho Mundo de Jack. Fique atento pois será exibida a versão dublada no horário das 16h00, enquanto que na sessão das 19h00, no dia 31 de outubro, será a versão original legendada. Nesta noite de Halloween será ainda exibida uma sessão especial de Invasores de Corpos, terror de Abel Ferrara.

Para além dos gêneros populares, não poderiam faltar toques mais experimentais numa mostra do CINUSP. É também de 1993 Azul, filme-testamento do britânico Derek Jarman, com um plano único e fixo na cor azul, que é transformada em personagem e divide a história, toda sonora, com a do próprio diretor que relata sua vida como homem gay e com AIDS na Londres dos anos 1990. Teremos ainda a sessão 93 Experimental com mais três curtas-metragens que não estão presos à estrutura narrativa clássica, dos diretores Su Friedrich, Stan Brakhage e Gakuryu Ishii.

Em 1993 o mundo do cinema passava por algumas grandes transformações tecnológicas. Uma delas era a popularização do videocassete, uma nova forma de ver e principalmente rever filmes. Com crescimento vertiginoso, o lucro com os aluguéis de fitas VHS superou o total das bilheterias. Isso também impactaria a própria produção dos filmes, que no decorrer da década viu crescer o espaço para obras de baixo orçamento voltadas para a distribuição direta em home video e depois na tv a cabo. 

E também a estética do vídeo caseiro era incorporada aos filmes, especialmente os mais jovens e descolados, como Totalmente Fodidos, ousado e bem-humorado auto-retrato da juventude da época, de Gregg Araki, símbolo do Novo Cinema Queer. Também retratando o universo adolescente da época, mas agora no contexto da violência urbana das periferias das grandes cidades em particular para os jovens negros, temos Perigo para a Sociedade, marcado também pela trilha musical de gangsta rap e outros hip-hops. O filme será exibido em cópia restaurada 4K na nova sala do CINUSP, um luxo que os espectadores de 1993 não tiveram!

Na outra ponta da indústria, dos grandes orçamentos, estava também acontecendo uma importante transformação tecnológica em 1993: a qualidade da computação gráfica. Grande lançamento do ano e maior bilheteria da história do cinema até então, Jurassic Park - Parque dos Dinossauros foi emblemático na integração de cenas criadas por computador com as filmagens reais e de bonecos motorizados, em cenas grandiosas e catastróficas. Nunca mais o cinema seria o mesmo.

Infelizmente ao mesmo tempo o cinema brasileiro vivia um dos seus anos mais desafiadores. O orçamento não era baixo, era zero. Após o declínio da Embrafilme e ainda antes da retomada (a Lei do Audiovisual seria promulgada naquele 1993), a falta de financiamento público acarretou na produção de quase nenhum filme nesse início da década. Ainda assim, um icônico longa foi lançado em 1993. Alma Corsária explora a arte, a cultura e a sociedade contemporâneas sob os olhos de uma bela amizade, com a inigualável generosidade do diretor Carlos Reichenbach. Além de sessão no CINUSP, um evento especial da mostra é a exibição da cópia 35mm do filme, na Cinemateca Brasileira no dia 17 de outubro às 19h00.

Ainda entre as produções brasileiras será exibido o documentário de média-metragem Boca de Lixo, de Eduardo Coutinho, na noite de abertura no dia 16 de outubro. Também de caráter documental, a autobiografia do italiano Nanni Moretti, Caro Diário, é uma carta de amor ao cinema e à vida, passando pela criatividade e saúde.

Completam a programação o épico histórico chinês Adeus Minha Concubina, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, que será exibido em sua versão integral; e o também premiado em Cannes por sua direção e atuação, o ácido e tragicômico Nu, do diretor britânico Mike Leigh, estrelado por David Thewlis, que deu notoriedade internacional à carreira de ambos.

A mostra De Repente 30 vai até 12 de novembro, com sessões de 2a a 6a na Cidade Universitária, e aos finais de semana no Centro Universitário Maria Antonia. Além da mostra, acompanhe também no hall de entrada da nova sala uma exposição com diversos fatos sobre a nossa história.

Neste aniversário de 30 anos do CINUSP nós estamos presenteando você com esta seleção de obras variadas e para todos os gostos. Se dê também um presente e venha ao máximo possível delas. Esqueça por uns dias o vídeo caseiro, desfrute da experiência única da sala de cinema, e volte um pouquinho a 1993, em cada sessão.