MORRENDO DE RIR


Entre os dias 13 de novembro e 03 de dezembro, o CINUSP apresenta os mais sanguinários e aterrorizantes monstros e criaturas que farão você chorar… de rir! Numa seleção de 15 filmes, a mostra apresenta grandes nomes do “terrir”, gênero que mistura comédia e terror. E embora aparente ser uma contradição, é no encontro entre esses dois gêneros tão opostos que a surpresa acontece, mobilizando fortes emoções dos espectadores — sejam elas sustos ou gargalhadas.

Ao contrário de filmes trash, cujo humor é mais acidental do que proposital, o terrir está plenamente consciente das convenções do cinema, buscando a graça em temas e figuras que povoam o imaginário do terror ou justamente naquilo que nos amedronta, encontrando uma espécie de catarse ao encarar medos como motivo de riso.

Se a intenção é subverter aquilo que normalmente nos assusta, é fácil imaginar que não falta lugar nesses filmes para os monstros clássicos, dos quais o medo é cultivado há muito tempo no imaginário popular. Por exemplo, os vampiros de O Que Fazemos nas Sombras são colegas de quarto e dividem as dificuldades de lidar com o mundo do século XXI. Nesse falso documentário de Jemaine Clement e Taika Waititi, há uma brincadeira crepuscular no contraste entre os métodos antiquados dessas criaturas e os hábitos dos tempos modernos aos quais tentam se adequar.

Já em O Segredo da Múmia, a figura da múmia é deslocada para o cenário tropical brasileiro, onde um cientista louco tenta trazer uma delas à vida. É também o primeiro longa-metragem dirigido por Ivan Cardoso, considerado pioneiro e mestre do gênero terrir e que reutiliza clichês tradicionais para dar um novo ar de humor e diversão aos monstros que nos são trazidos do exterior.

As fronteiras entre o que é terror e o que é comédia ficam ainda mais tênues quando eles começam a usar exatamente a mesma forma dos filmes que buscam subverter. Em O Jovem Frankenstein, de Mel Brooks, embora um cientista queira se distanciar o máximo possível do legado familiar, ele começa cada vez mais a se assemelhar a seu avô, cientista da história original, tanto fisicamente quanto em seus experimentos. Emulando a estética dos filmes da década de 1930 sobre a criatura de Mary Shelley, preferindo o preto e branco invés do colorido e o uso de transições de cena iguais ao período, médico e monstro se reencontram numa releitura hilária do prometeu moderno. Por outro lado, enquanto personagens populares são reinventados, outros nascem de propostas que buscam justamente essa mistura de terror e humor, como é o caso de Ghostface, em Pânico, de Wes Craven. Esse meta-slasher clássico utiliza de sua autoconsciência para divertir e surpreender o público, provando que nesse universo, em que as regras dos filmes de terror parecem ser tão bem conhecidas, ninguém está de fato seguro.

O trunfo do terror está justamente em explorar alguns medos compartilhados, e quando aliados a comédia, esses horrores se tornam sátiras mordazes, capazes de exorcizar quaisquer monstros. Como em O Dia da Besta, em que um padre, temendo a chegada do Anticristo, vai para Madri cometer a maior quantidade de pecados possíveis, tentando atrair e matar a criatura. Brincando com temores religiosos, o longa-metragem espanhol cria uma divertida e diabólica jornada em que nada nem ninguém está a salvo. Já na produção Iugoslava, O Duelo, um vendedor de flores torna-se um estrangulador de mulheres, dando a Belgrado o que faltava para que ela se tornasse uma metrópole moderna: um assassino em série. Ironizando a misoginia, a violência de gênero e os terrores que assombram as cidades que crescem à margem dos grandes centros europeus, Slobodan Šijan se utiliza do gênero e de nossos medos cotidianos para fazer um grande comentário urbanístico sobre a capital de seu país.

Enquanto isso, em Garota Infernal, uma líder de torcida é sacrificada e possuída por um demônio, que a leva a seduzir, matar e se alimentar de seus colegas de escola. O filme de Karyn Kusama equilibra ironia e suspense para comentar a sexualidade feminina e, com uma performance icônica de Megan Fox, hoje em dia é considerado um clássico cult de horror feminista.

Em Hausu, uma jovem estudante, buscando reconectar-se à memória da falecida mãe, vai junto de suas amigas à casa de uma tia distante, mas ao chegar lá descobre que nem a casa nem a tia são o que aparentam ser. Entre assombrações aterrorizantes, gatos demoníacos e um piano assassino, o filme japonês explora os mais bizarros medos ao mesmo tempo que mistura técnicas de animação ao terrir. E essa colisão entre gêneros e técnicas também faz parte de A Felicidade dos Katakuris, em que a união faz a força quando uma família que acaba de abrir uma hospedaria se une para acobertar as mortes macabras que ocorrem no lugar, evitando desvalorizar o imóvel. Numa enorme mescla, indo desde animações a números musicais, a família dos Katakuris enfrenta o macabro enquanto tenta buscar algum tipo de conexão entre eles.

Os números musicais também fazem parte do espetáculo de O Fantasma do Paraíso, em que um compositor é enganado por um produtor inescrupuloso e jura vingança, cometendo assassinatos peculiares no meio de apresentações musicais. Entre mortes espetaculares e performances extravagantes, o longa de Brian de Palma tece uma ferrenha crítica da indústria musical e produtores gananciosos, muito mais assustadores e violentos que qualquer assassino.

A trilha sonora também badala monstruosidades no musical A Pequena Loja dos Horrores, de Frank Oz, em que um submisso ajudante de floricultura vê a chance de atrair pessoas para a sua loja quando descobre uma espécie misteriosa de planta carnívora. Caberá a ele decidir podar a pequena planta ou regá-la e vê-la desabrochar numa gigantesca devoradora de humanos. Na sessão do dia 23 de novembro, às 19h, o filme será acompanhado de um debate em parceria com a Revista Independente Nossa Língua, com Eduardo Carniel, que discutirá as particularidades do terror cinematográfico nos anos 1980. Os perigos inesperados da paternidade também são vistos em O Pequeno Otik, de Jan Švankmajer, que adapta para o cinema um famoso conto de fadas tcheco. Nele, um casal infértil encontra um tronco de árvore que se assemelha a um bebê e decide criá-lo. Para a surpresa de ambos, o pequeno Otik, como decidem chamá-lo, de fato ganha vida e tem um apetite insaciável: por qualquer coisa, ou qualquer um. Eles crescem tão rápido!

E, para finalizar o show de horrores, a mostra contará com uma Competição de Fantasia, no dia 24 de novembro, às 19h, em que as criaturas da noite se unem numa disputa aterrorizante, e a maratona Um Noitão Alucinante, com a exibição da trilogia Uma Noite Alucinante, em que a quantidade de sangue e tripas só não é maior que a quantidade de risadas.

Seja através de monstros clássicos do cinema ou de medos genuinamente reais, o terrir encontra no macabro motivo de riso. E é fazendo piada com o maldito que o CINUSP convida seus espectadores a exorcizar seus demônios na sala de cinema.

 

Boas (e terríveis) sessões!