PARA GOSTAR DE CINEMA


Para Gostar de Cinema: o nome já diz tudo. Entre os dias 4 e 30 de março, a tradicional mostra do CINUSP traz uma variada seleção de títulos capazes de nos lembrar que, na vida, poucas sensações se equivalem àquela de ver um grande filme em uma sala de cinema. Serão 19 longas que, apesar de pertencerem a épocas, países e gêneros distintos, compartilham o poder que o cinema - talvez mais do que qualquer outra arte - tem de nos fazer sentir e experienciar momentos de maneira profunda.

O cinema é, por natureza, a arte do movimento. Quando pensamos naquilo que nos arrebata ao assistir um filme, algo nos remete aos filmes de ação, cujas cenas espetaculares e sequências de tirar o fôlego marcam aqueles que os assistem, produzindo um tipo de fisicalidade possível somente no cinema. Alvo Duplo, de John Woo, retrata os embates entre dois irmãos, um criminoso e um policial, e é um clássico do gênero - mais especificamente do gun fu, filão de filmes de ação de Hong Kong - cuja influência pode ser verificada em produções americanas futuras, como Matrix. O longa das irmãs Wachowski tornou-se por si só icônico por seus visuais extravagantes, que o transformaram em um marco na relação entre o cinema e a tecnologia durante a virada do milênio.

O frenesi dos corpos na tela, entretanto, não se restringe à ação, habitando também o encanto dos movimentos coreografados, atrelados historicamente a um gênero cinematográfico específico: o musical. Duas Garotas Românticas, obra de Jacques Demy estrelada pela atriz Catherine Deneuve, é um título canônico do gênero que, ao mesmo tempo, reinterpreta elementos da tradição musical americana - fator reforçado pela presença do ator Gene Kelly. Em outra chave, a representação da música no cinema se relaciona a sua capacidade de jogar luz sobre importantes fenômenos culturais. Buena Vista Social Club, filme que documenta apresentações da banda homônima, é considerado um dos melhores documentários musicais já produzidos, em que as lentes do diretor alemão Wim Wenders admiram e eternizam o grupo, relatando histórias da vida dos artistas e da sociedade cubana.

Como lugar de mobilização dos nossos sentimentos mais intensos, o cinema abraçou o amor, não só como tema, mas como catalisador dos encontros românticos nas salas de cinema, reflexo das comoventes histórias contadas nas telas, que ultrapassam épocas e lugares. A dor de uma paixão interrompida pode ser vista tanto no filme senegalês Atlantique, da diretora Mati Diop, como no francês Retrato de Uma Jovem em Chamas, duas obras contemporâneas que exploram entraves e questões sociais em épocas e países diferentes. A busca pelo amor também pode aparecer de forma leve e graciosa, como na comédia romântica argentina Medianeras - Buenos Aires na Era do Amor Virtual, que tece comentários bem-humorados sobre a especificidade dos relacionamentos modernos nas grandes capitais, marcados pela presença da internet. 

Manejar o anseio romântico é um dos métodos de que se vale um filme para nos envolver, mas há toda uma tradição constituída ao redor de outro gênero particularmente capaz de manter nossos olhos pregados na tela: o suspense. Alfred Hitchcock é o mestre desse estilo. Em Janela Indiscreta, um fotógrafo, enclausurado em casa por ter quebrado a perna, espia a janela de seus vizinhos até acreditar ter presenciado um assassinato. Prelúdio Para Matar, do italiano Dario Argento, também parte do testemunho de um crime, misturando características do suspense às de outro gênero que manipula nossos medos e inquietações: o terror, mais especificamente, o terror italiano, conhecido como Giallo. Esses sentimentos se avivam quando compartilhamos essa experiência coletivamente, submetidos à imponência da projeção em uma sala escura.

O anseio, entretanto, não precisa ser angustiante como num terror ou num suspense. A delicadeza de um filme pode encerrar momentos emocionantes que surgem de repente, extraindo algo de sublime da aparente simplicidade de situações comuns e mundanas. Em O Raio Verde, a abordagem naturalista do francês Éric Rohmer é capaz de encontrar beleza e verdade na jornada de sua solitária protagonista, de tal maneira que nós nos conectamos a ela quase instantaneamente. O mesmo pode ser visto no sensível filme iraniano Onde Fica a Casa do Meu Amigo, de Abbas Kiarostami, em que descobrimos todo um novo mundo através das andanças de um menino que, ao tentar devolver o caderno de seu amigo, parece encontrar dificuldades ao navegar a estranha realidade dos adultos.

Essa abordagem cadenciada, centrada no cotidiano, também serve ao comentário de temas políticos, sociais e históricos, como no americano Faça A Coisa Certa, de Spike Lee, e no taiwanês Um dia Quente de Verão, de Edward Yang. O primeiro retrata a tensa convivência entre diferentes comunidades e culturas no Brooklyn, em Nova York, no decorrer de um único dia, se destacando também pelo uso de cores vibrantes e pela direção estilizada adotada por Lee. Já o longa de Yang captura a forma como conflitos traumáticos da história taiwanesa invadem a vida de dois jovens ao longo de vários anos entre as décadas de 50 e 60, enquanto eles ainda têm de lidar com questões habituais do amadurecimento e da adolescência.

Outra parte instigante da experiência cinematográfica é o caráter contestatório e provocador que muitas produções assumem. Essa postura pode se dar por meio do gênero. Em Carrie, A Estranha, clássico do horror de Brian de Palma, percalços da juventude feminina - como o bullying - são abordados por meio da protagonista e seus poderes telecinéticos. Já em Sedução e Vingança, filme marcante do cinema independente americano dos anos 80, Abel Ferrara encontra no exploitation uma forma de problematizar a violência sexual sofrida pela mulher nos grandes centros, enxergando na violência explícita e na transgressão formas de vingança contra um sistema opressor e todo um conjunto de imagens idealizadas de Nova York produzidas por outros cineastas.

No Cinema Marginal brasileiro, o cunho questionador dos filmes incluía um uso consciente das condições precárias de produção - que contribuíam esteticamente para as obras - assim como a quebra de paradigmas cinematográficos assentados em movimentos anteriores, como o Cinema Novo. A Mulher de Todos, de Rogério Sganzerla, zomba dos valores retrógrados da sociedade brasileira a partir do humor, em uma sátira única centrada na performance disruptiva da atriz Helena Ignez, contando ainda com a presença de nomes importantes da comédia nacional, como o ator Jô Soares.

O poder questionador do cinema atinge seu ápice quando ele resolve indagar seus próprios limites e parâmetros, ocasionando um desconforto capaz de intrigar o público e provocar sentimentos catárticos. Tematicamente semelhantes, Persona, filme sueco de Ingmar Bergman, e Cidade dos Sonhos, de David Lynch, retratam duplas de mulheres cujas identidades, em determinado momento, começam a se confundir. Enquanto o longa de Bergman brinca com a própria fisicalidade da película e do material fílmico, o filme de Lynch desafia preceitos de montagem e opera na chave do onírico e do surreal, se aproximando do curta experimental Tramas do Entardecer, de Maya Deren, pioneira do cinema de vanguarda norte-americano, que será exibido com ele em sessão conjunta. 

Como campo eclético e multifacetado, a animação abre caminho para experimentações semelhantes. Millenium Actress, do japonês Satoshi Kon, explora essas possibilidades a partir da metalinguagem, retratando a produção fictícia de um documentário sobre uma atriz de cinema, em cenas que se mesclam de forma inusitada e desafiadora, inspirando-se na trajetória real de atrizes históricas do cinema japonês.

A mostra contará ainda com eventos especiais. O Noitão Aranha exibirá os três filmes da trilogia dirigida por Sam Raimi e protagonizada por Tobey Maguire entre 2002 e 2007, além das duas animações da série Aranhaverso, de 2018 e 2023. 

Haverá ainda a realização de uma batalha em que você, espectador, decidirá o filme a ser exibido! Acompanhe nossas redes sociais, fique por dentro de quais filmes estarão em disputa e vote!

Contemplando o amplo leque de emoções que o cinema é capaz de suscitar, assim como as questões que ele pode abordar em sua multiplicidade de formas, a mostra Para Gostar de Cinema se volta para os mais diversos públicos, convidando a todos para virem se apaixonar, de novo e de novo, pela magia transformadora da tela grande.

 

Boas sessões!