A MAGIA DO CINEMA


Tirar um coelho da cartola. Cortar alguém no meio. Realizar um ato de desaparecimento. Levitar. Quando estamos frente a estes eventos tão instigantes é natural tentar desvendá-los, buscar uma lógica, mas ainda assim, ousamos acreditar. O papel do cineasta por vezes se aproxima do mágico, fazendo truques a favor de uma ilusão, da criação do que, em primeira instância, é inacreditável, mesmo que depois entendamos sua explicação. Com efeitos especiais, fundos falsos, cortes e sobreposições, entre os dias 2 e 22 de dezembro, o CINUSP encerra o ano apresentando A Magia do Cinema, com uma seleção de filmes encantadores que exploram o potencial lúdico da sétima arte.

Desde os primórdios do cinema, nota-se uma vertente que, em vez de se dedicar ao registro do real, usa os artifícios cinematográficos para o espetáculo. Na verdade, um dos primeiros cineastas da história era, antes de tudo, um mágico. George Méliès, considerado o pai do cinema de ficção, foi um pioneiro no uso de efeitos especiais, realizando filmes com cenários extravagantes e truques de montagem para criar histórias fantásticas. Uma de suas obras mais conhecidas e influentes, Viagem à Lua, é uma adaptação de Júlio Verne, retratando uma jornada ao desconhecido e mágico mundo lunar. De forma semelhante e diretamente influenciado pelo mestre do primeiro cinema, o filme Viagem Fantástica também conta uma jornada a um lugar estranho, mas em vez de ir ao espaço, dessa vez entramos no corpo humano, desvendando nossas entranhas com um time de cientistas. 

Mas não é só a ficção científica que se aventura em lugares extraordinários. O musical britânico Labirinto conta a história de Sarah, que acidentalmente entrega seu irmão mais novo para o Rei dos Goblins, um personagem de um livro interpretado por David Bowie. Sarah deve resgatá-lo passando por um labirinto surrealista povoado por bonecos similares aos Muppets do diretor Jim Henson, adaptando o teatro de marionetes para o cinema. Outro musical de fantasia que até hoje é uma das maiores referências para a cultura pop é o clássico O Mágico de Oz, em que um tornado leva a jovem Dorothy para a maravilhosa terra de Oz, caracterizada magicamente com as cores vibrantes do technicolor. Em meio a bruxas e seres fantásticos que se tornam seus amigos, ela deve ir atrás do poderoso mágico que pode conceder seu desejo: voltar para casa.

O que acontece, entretanto, quando essas criaturas fantásticas vão para nossa casa? No cinema japonês, o Godzilla surgia em 1954 como um monstro gigante (kaiju) capaz de destruir Tóquio, mas com o passar do tempo seu status mudou. Já nos anos 70, no filme Godzilla vs. Hedorah, o monstro japonês se torna um aliado dos humanos contra uma ameaça extraterrestre, rendendo batalhas de enormes proporções. Aqui no Brasil, em 1942, Humberto Mauro já tinha imaginado essa transição de monstro para amigo, a partir da lenda da batalha de São Jorge com um dragão. Em O Dragãozinho Manso: Jonjoca, o cineasta usa animação stop motion para mostrar o processo de socialização do dragãozinho Jonjoca com a população.

Alguns seres fantásticos, entretanto, não começaram como um perigo à humanidade, pelo contrário, eram seus heróis. Um dos maiores ícones da cultura americana, o Superman tem suas origens nos quadrinhos, mas é no cinema que o vemos voar. Um dos primeiros do que hoje em dia se entende por um gênero de super herói, o filme de Richard Donner ainda se destaca por sua abordagem fantasiosa, combinando o romantismo e idealismo do personagem com a ludicidade dos artifícios que criam seus poderes em tela.

De maneira similar, alguns filmes de ação também usam efeitos especiais e truques de montagem para dar habilidades mágicas a seus personagens. Em Zu - Os Guerreiros da Montanha Mágica, o diretor honconguês Tsui Hark mescla as artes marciais do wuxia chinês com animações e artifícios para representar a magia, indo desde o uso de panos para representar feitiços até invertendo a velocidade dos planos para tornar os movimentos mais ágeis. Também de Hong Kong, o filme The Boxer’s Omen explora recursos parecidos para criar um visual alucinante que leva a luta para dentro do ringue. Acompanhamos Hung que, após seu irmão boxeador sofrer um golpe violento e desonesto, viaja em busca de vingança, descobrindo uma maldição familiar e se envolvendo com forças sombrias do universo budista.

A magia também vem na forma de bom agouro. Em Mary Poppins, os estúdios Walt Disney vão um passo além para dar vida à icônica babá, desenvolvendo técnicas inovadoras de sobreposição e efeitos que permitem a personagem dar um pouco de encantamento para a vida rígida dos jovens irmãos Banks em Londres. Já nos anos 50, Vittorio De Sica mescla os elementos do neorrealismo italiano com toques de fantasia para criar Milagre em Milão. No filme, o protagonista Totò salva uma comunidade inteira de uma ordem de despejo após receber uma pomba mágica de sua falecida mãe adotiva, criando um forte contraste entre a dura vida no pós-guerra e a esperança de um futuro melhor.

No entanto, são outros movimentos cinematográficos que irão propriamente se debruçar sobre efeitos de trucagem e de montagem para criar imagens absurdas, ligando a magia intimamente à sua linguagem. A vanguarda do surrealismo francês nas décadas de 20 e 30, por exemplo, é uma corrente marcante dessa experimentação. Destacam-se alguns cineastas como René Clair com seu curta Entreato, que utiliza alterações de velocidade e stop motion para criar cenas extraordinárias, e o famoso Jean Cocteau com seu filme O Sangue de Um Poeta, cheio de trucagens que colocam bocas em mãos, dão vida a estátuas e nos permitem atravessar um espelho.

Outro movimento que experimentou bastante com a montagem e a direção de arte no cinema foi a Nova Onda Tcheca nos anos 60. As Pequenas Margaridas de Věra Chytilová, uma das principais obras de uma das principais diretoras desta vanguarda, acompanha duas jovens travessas e inconsequentes comendo e destruindo tudo ao seu redor. Seguindo uma filosofia anárquica, as personagens parecem abusar da linguagem cinematográfica, dobrando o filme às suas vontades por meio de cortes e efeitos de imagem. No longa de Jacques Rivette Céline e Julie Vão de Barco outro par de mulheres, uma bibliotecária e uma ilusionista, também embarcam numa jornada lúdica onde a magia está intimamente ligada à sétima arte. Inspirado em “Alice no País das Maravilhas”, as protagonistas são misteriosamente conectadas a uma casa assombrada, doces psicodélicos e um melodrama antigo numa história que desafia a linearidade do tempo. A sessão do filme será antecedida por uma apresentação da doutora Maria Chiaretti, pesquisadora do cinema de Rivette.

Aqui no Brasil, o cineasta Djalma Limongi Batista também brinca com referências cinematográficas. Em seu filme Brasa Adormecida, ele presta homenagem a Humberto Mauro, fazendo uma personagem literalmente entrar no seu filme “Brasa Dormida”. O longa também conta com a participação de Grande Otelo e animações de Cao Hamburguer, consolidando-se como uma grande celebração lúdica da magia específica do cinema nacional. De forma semelhante, em sua última obra, Labirinto do Cinema, o diretor japonês Nobuhiko Obayashi, com seu estilo frenético e surrealista, explora os artifícios cinematográficos da era digital para retratar a jornada de três jovens que são sugados para dentro da última sessão do cinema da cidade. Passando por vários momentos históricos do Japão e recriando truques de várias eras do cinema, o filme funciona como uma grande carta de amor do artista à sétima arte.

Além disso, para explorar mais o uso de efeitos digitais no cinema, será realizada uma batalha em que o público escolherá entre dois filmes do cineasta Robert Rodriguez que brincam com a mistura da animação 3D com o live action: As Aventuras de Sharkboy e Lavagirl e Pequenos Espiões 3-D.

É com essa variedade de truques e visuais fantásticos que o CINUSP convida todos a ver, e crer, na magia e encantamento possíveis apenas na tela grande do cinema.

Boas sessões!