OS DOCUMENTÁRIOS DE NAGISA OSHIMA

Entrevista com Nagisa Oshima, sobre seus documentários. Realizada em Tóquio, 14 de maio de 1992.
Por Lúcia Nagib.

Lúcia Nagib - Como começou a se interessar por documentários ?
Nagisa Oshima - Na época que eu era assistente de direção nos estúdios Shochiku, acabei me convencendo de que o documentário poderia ser um modo de mudar o estilo corriqueiro do cinema japonês. Tinha dois elementos em mente: um era o documentário e o outro, o surrealismo. Eu queria trazê-los para meus filmes, e comecei filmando documentários. Naquela época era muito difícil ver documentários estrangeiros aqui, mas me juntei a um grupo composto de assistentes de direção e críticos, que se interessavam por documentários. Também me liguei a duas revistas de cinema, Eiga Hihyo (Crítica de filmes) e Kiroku Eiga (Documentário), participava de suas reuniões e via alguns documentários.

LN - Havia alguma tradição de documentários japoneses que o senhor ou outros cineastas de sua geração pudessem seguir?
NO - Os documentários japoneses começaram antes da Segunda Guerra Mundial, por volta de 1930, e basicamente os diretores cooperavam com o governo, enquanto filmavam a guerra e o desenvolvimento da invasão japonesa na China e Manchúria. Apesar de existirem documentaristas de esquerda desde os anos 20 filmando greves ou manifestações socialistas no primeiro de maio, os documentaristas japoneses em geral aprenderam com a Alemanha e o “Cinema cultural”. Havia bons documentaristas, como Fumio Kamei, que também faziam filmes encomendados pelo governo. Muitos comunistas trabalharam com esses documentaristas durante a guerra e, quando ela terminou, eles voltaram à militância, passando a fazer documentários comunistas. Estes filmes não eram ruins, mas basicamente o estilo era o mesmo durante a guerra, quando eram militaristas, e após, quando se voltaram para o comunismo. A construção e maneira de fazer eram muito parecidas. Os jovens documentaristas com os quais me juntei queriam mudar essa situação. Antes de nós, os documentários japoneses eram objetivos e neutros - apesar da narração ser sempre tendenciosa, tanto para os militaristas quanto para os comunistas. Nós, entretanto, pensamos que deveríamos fazer documentários objetivos, que fossem um documento do objeto, mas também um documento do próprio cineasta. Essa era nossa principal atitude na época.

LN - Como essa subjetividade transparece na estética de seus documentários?
NO - Quando comecei a dirigir filmes de ficção em estúdio, já tinha minhas opiniões sobre documentários, então introduzi algumas de suas técnicas nesses filmes, como por exemplo em Cidade do Amor e da Esperança (Ai to Kibo no Machi). Era um tipo de “toque documentarista”. Em 1960, Jun’ichi Ushiyama, da Nippon Television (NTV), me pediu para fazer um documentário para a TV. Naquela época, documentários na televisão japonesa estavam no primeiro estágio, ninguém entendia de cinema na televisão. O primeiro movimento desse tipo começou na NHK. Como os diretores não tinham qualquer experiência com a realização de filmes ou documentários, usavam técnicas de rádio, ou seja, fazer entrevistas. Foi assim que nasceram os documentários-entrevistas. Eles eram muito novos na televisão da época e muito diferentes dos chamados “autênticos” documentários japoneses, eram filmes fortes, interessantes. Gente como Susumu Hani aderiu a esse tipo de movimento na NHK, e ao mesmo tempo Ushiyama queria fazer uma série de documentários para a NTV e me convidou para dirigi-los. Ele queria fazer documentários mais pessoais e com diretores de filmes de ficção . Foi isso que deu sabor aos documentários de Ushiyama. Nós fizemos documentários mais dramáticos e pessoais com ele. Entretanto, o orçamento era muito pequeno e o tempo limitado a por volta de duas semanas ou dez dias, nunca mais que um mês. Então nós tínhamos essas duas limitações de orçamento e tempo, e realizei esses documentários sob tais condições. Era totalmente diferente dos meus filmes em estúdio e uma experiência nova para mim, especialmente Soldados esquecidos (Wasurerareta Kogun). Eu já estava interessado no problema coreano, mas quando encontrei esses soldados coreanos, fiquei muito impressionado, foi como destino. Quando eu fiz esse filme me dei conta do que é documentário.