MOMENTOS DO CINEMA AFRO-BRASILEIRO


Apresentação: O Cinema Afro-Brasileiro

No contexto internacional dos processos de libertação nacional nos anos 50 e 60 surge, em países colonizados, uma visão de integração de suas culturas originais que leva o nome de tricontinental.
A África passa então a ser recuperada no brasil como a pré-história de nossa cultura, este contexto de ideias teve reflexos no movimento cinema novo, com Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, assim como na obra de realizadores de gerações sucessivas, busca-se a síntese de nossos mitos históricos nacionais e isto se traduz na obra de muitos cineastas.
A pesquisa do caráter do homem negro brasileiro e nossa herança africana ao nível civilizatório se reflete nesta produção e pode ser apreciada em algumas obras antológicas de nossa cinematografia como barravento que do litoral da Bahia nos fala da relação dos negros pescadores de "xaréu", com seus antepassados que vieram da África.
O filme Rio, Zona Norte traz o ator negro brasileiro, Grande Otelo, em seu maior papel. Aquele que, segundo ele, é o filme que mais o representa. A questão da integração racial é vista por crioulo doido a partir do interior mineiro e por integração racial no início do cinema novo no Rio de Janeiro. Orí traz a história moderna dos movimentos negros no brasil recuperando a figura do herói mítico civilizador zumbi de palmares, nas palavras da historiadora Beatriz Nascimento.
Chica da Silva vem do período colonial mineiro, nos falando da transcendência do processo escravista e se espelhará no curta-metragem sobre o processo colonial, O Tigre e a Gazela. Outros filmes abordam a cultura negra no Brasil no que produziu como música, religião, memória e história do Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais (Okê Jumbeba, Partido Alto, Ylê Ayiê, Iaô, Brasilianas - Cantos de Trabalho).
A memória, o imaginário e a busca da espiritualidade se refletem em obras como Alma no Olho, O Que Eu Estou Vendo, Frio na Barriga, A Morte de um Poeta e Fio da Memória.
Os filmes Der Leon Has Sept Cabezas e a Idade da Terra concentram o dado da relação entre as culturas e entre as histórias dos continentes americanos e a África na constituição de nossas identidades culturais.
África mundo novo traz o desafio da interrelação dos elementos do mundo tradicional africano com a nova África pós-colonial que busca seu caminho de autodeterminação. Autodeterminação que é também a busca interna de muitos seres humanos "transmigrados "como os personagens Firmino em Barravento, Tião Medonho em Assalto ao Trem Pagador, O Crioulo Doido, Gabriel Joaquim dos Santos em Fio da Memória, Clemson em Viver a Vida, ou como Dorival Encarando a Guarda, ou Beatriz Nascimento em sua busca de si mesma em Orí através de Zumbi dos Palmares.

O cinema brasileiro avançou muito mais do que teatro, por exemplo, no que diz respeito à cultura negra. No palco, ainda observamos a incidência velada do preconceito, que se traduz pela ausência de atores e atrizes em proporção representativa da presença negra na sociedade, ou por sua redução a papéis secundários nos contextos cênicos, na tela, vem se percebendo, a partir dos anos 60, uma consciência maior de inte6ração racial, a mostra ora exibida no CINUSP (São Paulo) e no festival de Arte Negra (Belo Horizonte) documenta esta saudável contribuição da cinematografia em nosso país ao progresso das relações sociais.
Não estamos, porém, diante de uma questão resolvida. Examinando-se à retrospectiva de ótimos filmes inteligentemente selecionados pela curadoria, logo nos damos conta de um aspecto que merece atenção: identificamos apenas um negro, Zózimo Bulbul, entre os diretores. Eles, em sua maioria absoluta, estão restritos aos elencos de interpretação. Se isso não é um mal em si mesmo, pode significar que, mesmo no cinema, ainda se reflete o fenômeno da exclusão social, temos um bom cinema afro-brasileiro, é verdade, mas ainda assim projetando a visão dos brancos a respeito dos temas filmados. Mesmo que esta visão seja correta, cabe perguntar: quando conheceremos a leitura dos próprios negros a respeito de sua inserção social? Espero que essa questão se faça presente nos debates previstos para o evento.
Cabe-me ainda, em conclusão, assinalar que a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP, neste ano rememorativo da morte de Zumbi dos Palmares, tem a máxima honra em sediar iniciativa tão oportuna e propiciadora de reflexões que certamente ajudarão a compreendermos cada vez melhor os múltiplos aspectos da questão racial no Brasil.

Jacques Marcovitch
Pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária

No momento em que o cinema brasileiro volta a dar sinais de vida torna-se mais que oportuna esta mostra cujo, principal objetivo é traçar um painel da filmografia voltada para os temas da cultura negra.
Dentro dos princípios que regem o Festival Internacional de Arte Negra, a mostra pretende evidenciar a ligação entre o passado e o presente/futuro como mais um estímulo para que os negros - e tudo que lhes diz respeito possam ocupar seu devido espaço na vida e nas telas brasileiras.

A coordenação.