Ó ABRE ABAS
Já que a saudade nos trouxe pelo braço, o CINUSP volta às atividades em 2021 com uma mostra dedicada a filmes carnavalescos: Ó ABRE ABAS. Entre os dias 15 de fevereiro e 14 de março nosso público poderá ter acesso, de forma virtual, a uma seleção de curtas-metragens que trazem a rua para dentro de casa.
O CINUSP, assim como as celebrações de carnaval deste ano, precisou reinventar suas atividades a fim de buscar um melhor aproveitamento remoto. Por isso, inauguramos um novo formato de mostra: agora, os filmes poderão ser acessados temporariamente em nosso canal do YouTube, e serão complementados por episódios do podcast Cinusp em casa, debates com convidados, textos críticos e conteúdos variados que rodeiam o universo temático proposto por cada mostra. E, desejando um horizonte mais otimista após um ano marcado pelo luto, nossa programação de 2021 começa de maneira festiva com filmes que tematizam o carnaval ou que evocam sensações dessa complexa festa, tão central na cultura brasileira.
Em um país de dimensões continentais, o carnaval se manifesta a partir de diferentes expressões artísticas e culturais. Muitas de suas tradições, musicalidades e ritmos foram herdados dos povos indígenas e africanos, e adquiriram nesse processo um forte viés de resistência contra o colonialismo, o racismo e outras opressões. “Maracatu não é só brincadeira. É o grito do índio, do escravo, contra a maldade do homem branco. Maracatu é guerra!”, diz um dos personagens de Maracatu, maracatus, filme de Marcelo Gomes que registra, entre o documental e o ficcional, a expressão popular que nasce na área rural de Nazaré da Mata (PE), mas que foi difundida também para os ambientes urbanos. Esse contraste entre os dois espaços, e a presença do maracatu nas favelas, convivendo com outros gêneros e ritmos, é um dos pontos de investigação da obra. Faz que vai, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, flerta com a vídeo-performance ao colocar em cena dançarinos que, por sua vez, fazem conviver o tradicional e o contemporâneo, misturando o frevo de Pernambuco com expressões periféricas e LGBTQIA+ como o funk, a swingueira, o vogue e a performance drag queen. O filme, dividido em quatro blocos dedicados a dançarinos/as solitários/as, faz lembrar as circunstâncias do carnaval de 2021 — no qual dançar sozinho resta como única opção viável.
Bloco afro-feminista tradicional no carnaval de rua paulistano, o Ilú Obá de Min é homenageado em O tambor me chamou, de Márcio Cruz. A partir de uma montagem dinâmica, com o uso de fotografias still, depoimentos das integrantes, batuques e cantos, o filme propõe uma representação viva e cadenciada que perpassa os afetos, o resgate da ancestralidade e o caráter de resistência do bloco. Arrasta a bandeira colorida, de Aloysio Raulino e Luna Alkalay, também brinca com uma montagem que constrói movimentos a partir de fotografias tiradas pelos próprios diretores no carnaval de São Paulo. O registro dos rostos e corpos, em sua maioria negros, evidencia a ideia de direito à cidade, com o fluxo de foliões ocupando as ruas ao som do samba e de marchinhas carnavalescas. Nessa dupla de filmes, seja a partir das fotografias no estúdio ou na rua, o cortejo se faz presente no ritmo que a música imprime nas imagens.
As marchinhas também são centrais no enredo de Polêmica, ficção de André Sampaio que encena a famosa rivalidade entre Noel Rosa e Wilson Batista nos anos 30, com direito a todo absurdo digno de uma ocasião de carnaval. Com influências da chanchada e do cinema marginal, o filme faz uma homenagem, divertidamente distorcida, a esses dois grandes nomes do samba carioca. O exagero também toma conta de Carnaval inesquecível, filme escatológico de Pedro Severien, no qual as experiências exacerbadas do carnaval são levadas até às últimas consequências.
Mas as festividades também coexistem com diversas tensões relacionadas à raça, classe, gênero e religião, e os corpos estão no centro desses conflitos. A opressão sofrida por mulheres negras é central em Rainha, de Sabrina Fidalgo, filme que retrata a cultura dos desfiles nas escolas de samba e questiona o ideal de alegria associado à festa. Já em Dramática, de Ava Gaitán Rocha, ocupar a rua significa encarar as contradições violentas que assolam a cidade do Rio de Janeiro. O filme, que é uma adaptação livre do poema Hierarquia (1970), de Pier Paolo Pasolini, assemelha as cenas de embriaguez nos blocos com a violência mordaz que perpassa a trajetória de escravidão no país.
Por fim, a mostra apresenta filmes em que o transe do carnaval se faz presente, de forma sensorial e abstrata, nas imagens e no som. É o caso de A Colour Box, breve animação do pioneiro Len Lye realizada como uma propaganda para os correios britânicos. Seu desfile de cores, formas e linhas evoca os ritmos e a alegria do carnaval, enquanto Sólo un poco aquí, do Duo Strangloscope, trabalha com borrões e com efeitos sonoros distorcidos para representar a efemeridade e a euforia que envolve a festa. Já o onírico Borboleta, de Shūji Terayama, encerra a mostra com imagens de fantasias, orgias e comilanças, fazendo lembrar uma ressaca de Quarta-feira de Cinzas em que os acontecimentos e as consequências do carnaval precisam ser enfrentados.
Com a mostra, o CINUSP espera dar um gostinho da folia ao nosso público e matar um pouco a saudade desse feriado sempre tão aguardado, mesmo com todas as suas contradições.
Participe desse bloquinho com a gente e boas sessões!
DEBATE: O tambor me chamou
Em nossa primeira mostra virtual, o CINUSP apresenta debate ao vivo sobre o curta O tambor me chamou, presente na mostra Ó ABRE ABAS. Os convidados são Márcio Cruz, diretor do filme, e Janaína Cunha de Souza, atriz e integrante do grupo Ilú Obá de Min.
DEBATE: Faz que vai
Em nossa primeira mostra virtual, o CINUSP apresenta debate ao vivo sobre o curta Faz que vai, presente na mostra Ó ABRE ABAS. Os convidados são Bárbara Wagner, co-diretora do filme, e Edson Vogue, ator e dançarino.